quarta-feira, 15 de abril de 2009

PENAL ESPECIAL-Abuso de Autoridade

ABUSO DE AUTORIDADE - COMPETÊNCIA PARA JULGAR

Escrito em outubro/2001
1. Introdução. 2. Definições. 3. Juizados Especiais Criminais. 4. Lei Federal 10259/01. 5. Supremacia da Constituição. 6. Interpretação conforme a Constituição. 7. Bem jurídico tutelado. Maior potencial ofensivo. 8. Conclusões.
1. Questão que certamente irá provocar acirrada polêmica, em breve, é a relativa à competência para processar e julgar os delitos de abuso de autoridade. Antecipando-me a ela, até mesmo para estimular o debate e permitir que idéias novas e críticas construtivas surjam, apresento, resumidamente, o resultado das reflexões que tenho feito a respeito do tema, escrevendo este texto em outubro/2001.
2. O crime de abuso de autoridade é de dupla subjetividade passiva, o Estado e a vítima direta, e próprio, eis que exige a condição de autoridade por parte do sujeito ativo. E o artigo 5º da Lei 4898/65 define o que considera autoridade, para seus efeitos. Lemos:
Considera-se autoridade, para os efeitos desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.
Admite participantes, conforme a regra expressa do artigo 30 do Código Penal, aplicável como norma geral. Tem como objetivos a correta atividade do agente público, decorrente dos princípios da legalidade e moralidade, bem como a proteção direta das garantias individuais previstas na Constituição Federal (artigo 5º, III, VI, XIII, XI, XV, XVI, XVII e LXVIII).
Os artigos 3º e 4º do diploma específico prevêem expressamente os tipos dolosos (não há abuso de autoridade culposo).
O rito procedimental, especialíssimo, vem previsto nos artigos 17 e seguintes.
Já o artigo 6º estatui que o abuso sujeitará o seu autor às sanções de natureza administrativa, civil e penal. E, no parágrafo primeiro, vêm as penas administrativas: advertência, repreensão, suspensão do cargo até 180 dias, destituição de função, demissão e, por fim, demissão a bem do serviço público.
Por último, o parágrafo 3º determina as penas de natureza criminal, e que são: multa, detenção por 10 dias a 6 meses, e perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo prazo de até 3 anos.
Aqui reside o cerne do tema. Trata-se de delito de menor potencial ofensivo?
3. A Lei 9099/95, que cuida, na parte final, dos Juizados Especiais Criminais, definiu, obedecendo ao comando do artigo 98, I da Constituição, como crimes de menor potencial ofensivo, aqueles cuja pena máxima não for superior a um ano (art. 61).
Está assim redigido:
Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.
Repito a pergunta quanto ao crime de abuso de autoridade: trata-se de infração de menor potencial ofensivo?
Pela interpretação literal da parte final do dispositivo, não. Mas essa discussão ficou vencida, ao menos aqui no Rio de Janeiro, onde se entendeu que é válida a exclusão prevista na lei (interpretação da qual, data venia, guardo minha discordância). Ou seja, admite-se, até agora, a competência do Juízo Criminal Comum, com recursos para o Tribunal de Justiça, para as hipóteses de abuso de autoridade (assim como os demais crimes que possuem rito especial).
4. Todavia, com o advento da nova Lei 10259/01, que está na vacatio legis, a doutrina já formou sólido bloco no sentido de afirmar que, a partir da entrada em vigor do novel diploma, por força do seu artigo 2º, alterou-se o conceito de menor potencial ofensivo, passando a ser qualquer crime (ou contravenção), cuja pena máxima não seja superior a dois anos. Ocioso lembrar os artigos publicados, nesse sentido, pelos eminentes Drs. DAMÁSIO DE JESUS, LUIZ FLÁVIO GOMES, CLÁUDIO DEL'ORTO, dentre outros.
Não se fala mais em procedimentos especiais. Essa interpretação - que no nosso sentir é a mais correta, porquanto o conceito de infração penal deve ser considerado pelo aspecto material, e o mero procedimento em nada influencia aquele -, poderia levar a concluir que, por maior razão, os delitos de abuso de autoridade, cuja pena máxima é de seis meses, já agora desprezando-se a questão do rito, estariam incluídos na competência dos Juizados Especiais Criminais.
No entanto, após muito refletir, cheguei à conclusão de que esses crimes estão fora da referida competência especial. E dou as razões, adiante.
5. Parto do óbvio (mas nem sempre respeitado…), acolhimento do princípio da supremacia da Constituição.
Segundo o Professor Dr. LUÍS ROBERTO BARROSO1, esse princípio,
… na celebrada imagem de KELSEN, para ilustrar a hierarquia das normas jurídicas, a Constituição situa-se no vértice de todo o sistema legal, servindo como fundamento de validade das demais disposições normativas. Toda Constituição escrita e rígida, como é o caso da brasileira, goza de superioridade jurídica em relação às outras leis, que não poderão ter existência legítima se com ela contrastarem.
Vamos, então, ao próprio KELSEN2:
A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com ou norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora.
Termino com JOSÉ AFONSO DA SILVA3, cuidando do princípio da supremacia da Constituição (aliás, mais do que um princípio, um verdadeiro axioma do direito constitucional, como disse DANIEL SARMENTO em palestra que proferiu no auditório da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro):
Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os governos dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão se se conformarem com as normas da Constituição Federal.
Bem acompanhado, pois, prossigo.
Se parto desse entendimento de que a Constituição Federal é a lei suprema, e de que todo o ordenamento infra deve ser lido e compreendido a partir dela, não há como deixar de afirmar que a Lei 10259/01, que mexeu na conceituação de menor potencial ofensivo, deverá ser entendida e aplicada, juntamente com a Lei 9099/95, à luz da Carta Maior. Todos os seus artigos deverão estar harmônicos com a Lex Legum, sob pena de, ofendendo o texto maior, não terem aplicabilidade por parte dos Magistrados. Para prestigiar, então, o trabalho do Poder Legislativo (afinal de contas, é um Poder com Membros legitimados pelo voto popular, além de se partir da presunção de constitucionalidade das leis), torna-se necessário fazer uma interpretação conforme a Constituição.
6. Ensina o ilustre ALEXANDRE DE MORAES4:
Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e conseqüente retirada do ordenamento jurídico.
Prestigiar a norma é, assim, o primeiro passo que o intérprete deve dar, na busca de compatibilizar o ordenamento jurídico, protegendo o sistema.
Volto a indagar: como compatibilizar as normas dos artigos referidos da Lei 4898/65, 9099/95 e 10259/01, e o artigo 98,I da Constituição Federal?
Este último dispositivo está assim redigido, com destaques nossos:
A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I- juizados especiais (…), competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de (…) infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
Se a lei, definindo o que seria infração penal de menor potencial optou (como não poderia deixar de ser) por enquadrar segundo a pena, conceito material, é lógico e irrespondível que a segunda lei, mais benéfica (partindo da premissa de que a aplicação da Lei 9099/95 sempre será mais benéfica), pois permite a composição civil, a transação penal, a suspensão condicional do processo, etc, deverá ser dirigida e estendida a todas as infrações cuja pena máxima não ultrapasse dois anos, independentemente de rito. É a obediência ao princípio constitucional da legalidade penal (art. 5º, XXXIX) e da aplicação da lex mitior (art. 5º, XL).
Ocorre que o já aludido artigo 3º da Lei 4898/65 traz como preceito secundário, as penas de multa, detenção até 6 meses, perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo prazo de até 3 anos (desculpem a repetição, mas é para recordar e facilitar o raciocínio).
Se essas são as penas previstas para os crimes de abuso de autoridade, como compatibilizá-las com o conceito (material) de menor potencial ofensivo, fornecido segundo os novos parâmetros da Lei 10259/01, e a Constituição?
Se a Carta Magna admite a transação penal, como poderá o autor do fato transigir com sua transferência de lotação?
Se a Carta Magna admite a transação penal, como poderá o autor do fato transigir com sua inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por até 3 anos?
Impossível!
Se o ordenamento jurídico é um todo, e se, para ser um sistema, há de ser harmônico, observo que as regras de direito administrativo, pertinentes à lotação, remoção, disponibilidade, etc, não foram derrogadas pelas regras penais em apreço. Portanto, impossível (reafirmo) aplicar, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, a lei específica para os crimes de abuso de autoridade.
Logo, pela pena (conceituação material), não estamos diante de infração de menor potencial ofensivo. Desta maneira, salvamos todas as leis (4898, 9099 e 10259), através da interpretação conforme a Constituição.
Mas vou adiante.
7. Como dito no item 2, o objeto jurídico tutelado se apresenta em duas vertentes: a) a correta atividade do agente público, decorrente dos princípios da legalidade e da moralidade; b) a proteção direta das garantias individuais. Esse o bem jurídico amparado.
Sobre o conceito de bem jurídico, ler a espetacular obra de LUIZ RÉGIS PRADO5, com a qual obteve a Cátedra, por concurso, de Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá-PR. Desse livro extraio a passagem das páginas 58/59:
O respeito à dignidade da pessoa humana aparece na mencionada corrente da moderna Filosofia do Direito européia como um limite imanente ao Direito positivo. Considera-se, como já observava Radbruch, que não há outro Direito que o Direito positivo, mas que nem todo Direito positivo é Direito. Há preceitos que, ainda que emanem da autoridade competente e seu cumprimento possa ser imposto pela força, não possuem obrigatoriedade em razão da consciência, não são direitos, constituem-se numa grave violação ao respeito devido à dignidade da pessoa humana. Portanto, a liberdade e a dignidade pertencem à essência do ser humano, sendo valores fundamentais do ordenamento constitucional brasileiro.
Ora, se o Brasil é um Estado Democrático Constitucional de Direito;se a dignidade da pessoa humana é um valor fundamental desse ordenamento; se, para dar eficácia plena a esse princípio a Constituição elencou, no art. 5º, XLI a necessidade da punição de atos atentatórios aos direitos individuais; se, ainda no plano da eficácia, previu a Constituição no art. 5º, LXVIII, a concessão de habeas corpus para proteger aquele que sofrer violência por abuso de poder; se, por último (embora mais argumentos pudessem ser trazidos à colação), foi elencado no art. 37 o princípio da moralidade; e os objetos materiais protegidos pela Lei 4898/65 são a correta atividade do agente público e a defesa das garantias individuais, é evidente que o crime de abuso de autoridade não é de menor potencial ofensivo, mas, sim, de maior potencial ofensivo. Haja vista as gravíssimas penas que prevê.
Em não sendo enquadrável como infração penal de menor potencial agressivo, sob a ótica constitucional, e sob o enfoque infra, em interpretação conforme a Constituição, deverão esses delitos permanecer sob a ótica da chamada Justiça Comum (estadual ou federal, conforme a hipótese).
8. Pelos raciocínios acima desenvolvidos, concluo que, a partir de janeiro/2002, os Juizados Especiais Criminais estaduais terão competência para processar, julgar e executar todas as infrações penais cuja pena máxima não exceda dois anos.
Excetuam-se dessa competência, todavia, e como único exemplo, os casos de abuso de autoridade, que permanecem sob a apreciação da Justiça Comum.
Com a palavra, os que discordam.

Notas
1 Interpretação e Aplicação da Constituição, Saraiva, 31ª edição, 1999, pág. 67.
2 Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, 6ª edição, 1999, pág. 247.
3 Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 19ª edição, 2001, pág. 46.
4 Direito Constitucional, Atlas, 9ª edição, 2001, pág. 43.
5 Bem Jurídico Penal e Constituição, RT, 1996.









http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/br/rj/nossosdireitos.htm
4) abusando dos meios de correção e disciplina – esta modalidade do crime consiste no abuso de meios de correção ou disciplina, infligindo castigos excessivos que resultem perigo para a vida ou saúde da pessoa, atuando o agente imbuído para um fim inicialmente lícito (correção ou disciplina), ao contrário das anteriores, quando os maus tratos são impostos por malvadez, intolerância, impaciência, grosseria etc.
#1A legislação civil admite aos pais e tutores o direito de usar meios corretivos ou disciplinares, de modo comedido (embora há quem sustenta que os “educadores” hoje nada mais podem fazer, a não ser dialogar – mas isto é outro tema). O que constitui delito de maus-tratos é o excesso do meio corretivo ou disciplinar que põe em perigo a vida ou saúde da vítima (quando cria o perigo pode constituir ilícito civil ou administrativo).
Nesta linha Fábio Monteiro de Barros faz importante distinção, pois “não responde por maus tratos a mãe que raspa o cabelo do filho como reprimenda, pois não colocou em risco a vida ou a saúde; todavia, poderá responder pelo delito previsto no art. 232 da Lei n. 8.069/90, devido ao vexame a que submeteu a vítima” [15].
Relembrando-se que no crime de maus tratos o dolo é de perigo, pode-se distinguir que, se houver dolo de dano, como, por exemplo, agressão física excessiva do pai ao filho, malgrado o animus corrigendi, o delito será de lesões corporais (CP, art. 129), podendo se transformar no crime de tortura do inciso II do art. 1º da Lei n. 9.455/97, se presentes a elementares que serão a seguir estudadas.
Assim, para que se configure o crime delito de maus tratos é necessário que o abuso dos meios corretivos ou disciplinares ocorra mediante:
“a) Castigos físicos que não representem agressão contra a vítima. Sobre o assunto, ministra-nos Frederico Marques os seguintes exemplos: ‘O pai ou mestre que põe o menor de joelhos, por longo tempo, ou que o obriga a subir ou descer escadas, pode incorrer em crime de maus tratos, se excessiva a punição disciplinar a ponto de tornar periclitante a saúde da vítima. Em tais hipóteses, o crime será de lesões corporais, tão-só se o abuso do poder disciplinar foi praticado com dolo de dano’. Se houver emprego de violência física, causadora de intenso sofrimento físico ou mental, o agente responderá pelo crime de tortura (art. 1º, II, da Lei n. 9.455/97).
“b) Violência moral. Exemplos: ameaças, intimidações, terror, impedimento do sono etc., desde que idôneos a expor a perigo a vida ou saúde. Se, entretanto, a grave ameaça causar intenso sofrimento físico ou mental, o agente responderá pelo delito de tortura previsto no inciso II do art. 1º da Lei n. 9.455/97. Se, porém, o sofrimento não for intenso, haverá delito de maus tratos, que, nesse caso, assume o perfil de crime subsidiário.
“Acrescente-se ainda que os castigos corporais ainda que moderados estão abolidos das escolas e presídios. No âmbito doméstico, no entanto, continua sendo aplicado pelos pais para o fim de educação e disciplina, o que é perfeitamente lícito, desde que de maneira módica. Não é fácil estabelecer um exato critério para se distinguir entre meios corretivos ou disciplinares lícitos e ilícitos, devendo a matéria ficar sujeita ao prudente arbítrio do juiz, que, ao julgar, se colocará perante o caso concreto na posição psicológica de um bom pai de família (RT, 463:367, 415:267)” [16].

Um comentário:

  1. VOCÊ NAO CITA FONTES NEM O AUTOR DO ARTIGO QUE PUBLICA AQUI NÃO? DEVE CONHECER DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NÃO?? ATENTE-SE A ISSO!

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