domingo, 5 de julho de 2009

Cidadãos digitais


A realidade das empresas mudou. O tempo real invadiu o dia-a-dia de trabalho, com tudo para ontem, excesso de informação e carência de conhecimento. É preciso saber tanto de tantas coisas que temos a sensação de estarmos desatualizados a cada clique. As novas regras de conduta, nascidas da tendência crescente de proteção da privacidade, segurança da informação e governança corporativa, trouxeram novas exigências para o profissional atual.



Atravessamos um momento de ruptura, na qual se desenham os novos valores que devem ser protegidos e ensinados. O que é ético e legal dentro da sociedade digital? Como usar adequadamente as ferramentas tecnológicas de trabalho? Até aonde vai a privacidade? Quais as conseqüências do monitoramento dentro da empresa e o quanto isso esbarra na produtividade e na espontaneidade? O que é o direito de autor, considerando os modelos atuais de produção colaborativa e terceirizada? O e-mail é prova? Como entender o fenômeno da identidade do indivíduo em ambientes eletrônicos, com o uso de certificação digital ou biométrica? É errado enviar spam? É crime criar um vírus? E a fraude eletrônica? Todas estas questões merecem resposta – e quem for capaz de trazer soluções para elas tem a oportunidade de se diferenciar.



A Revolução da Informação, plantada em 1957, com a criação do primeiro mainframe, marcou o começo da digitalização da sociedade. Hoje, vivemos uma interdependência completa, globalizada, interativa e em rede. Uma simples página gratuita na internet já nasce global, com responsabilidades e obrigações dentro de um cenário complexo de normas. Somos reflexo não apenas de nosso conhecimento, do "penso, logo existo”, mas de nossa expressão, do “comunico-me, logo existo”: blogs, páginas pessoais, comunidades, fóruns, chats, messengers. E como fica a questão da prova da identidade, tão importante em situações de responsabilidade profissional, civil e criminal, com estes diversos “eus” em jogo?



Quando a sociedade muda, o direito também deve mudar. O direito digital consiste numa evolução do direito, abrangendo todos os princípios fundamentais vigentes e introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico em todas as áreas: direito constitucional, civil, autoral, comercial, contratual, econômico, financeiro, tributário, penal, internacional etc. Questões complexas, como proteção de marcas e domínios e uso de serviços de governo eletrônico, e simples, como uma compra em uma loja virtual, exigem uma nova postura do intérprete do Direito. Não basta mais haver um conjunto de leis. É preciso estabelecer uma interpretação dinâmica, interagir no ambiente em que está a manifestação de vontade, como num videogame em que se deve entender a regra no próprio jogo.



Por isso cresce a demanda pela auto-regulamentação, com elaboração de políticas, códigos de conduta, contratos e disclaimers, entre outras peças que devem estar inseridas nos sites, na intranet da empresa, na extranet, nos contratos com cláusulas que solicitam ciência e provas guardadas no formato original, que agora é o eletrônico. Quebram-se paradigmas. As relações atuais e a manifestação de vontade que as legitima já se tornaram eletrônicas. O arquivo original não é mais o papel, mas o dado, que deve ser guardado de modo adequado à preservação de sua autenticidade, integridade e acessibilidade, para que sirva como prova legal. Nesta nova realidade, a versão impressa é cópia.



Mais do que trazer novas questões jurídicas, o direito digital exige de todos um papel de estrategista. É preciso pensar antes, para preparar o terreno, para saber quais são as testemunhas. Além disso, exige um permanente monitoramento: o direito está baseado em ferramentas de controle de comportamentos. Não há mais barreiras territoriais nem temporais, e isso trouxe uma ampliação da responsabilidade que está cada vez mais solidária e objetiva.



O direito digital deve ser estudado não só para fins profissionais, mas para a formação dos cidadãos desta nova era, para que possamos continuar a exercer a liberdade individual sem prejuízo da vida coletiva em uma sociedade totalmente conectada, em que a ação de um pode gerar efeitos e conseqüências em cascata para todos. É preciso aprender estas novas regras sob pena de ficarmos obsoletos.





* advogada especialista em Direito Digital, autora do livro “Direito Digital” pela Editora Saraiva.





Disponível em: http://www.patriciapeck.com.br/cconhecimento_exibir.asp?inteMateriaID=18

Acesso em: 25 agosto.05.
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