domingo, 5 de julho de 2009

Cidadãos digitais


A realidade das empresas mudou. O tempo real invadiu o dia-a-dia de trabalho, com tudo para ontem, excesso de informação e carência de conhecimento. É preciso saber tanto de tantas coisas que temos a sensação de estarmos desatualizados a cada clique. As novas regras de conduta, nascidas da tendência crescente de proteção da privacidade, segurança da informação e governança corporativa, trouxeram novas exigências para o profissional atual.



Atravessamos um momento de ruptura, na qual se desenham os novos valores que devem ser protegidos e ensinados. O que é ético e legal dentro da sociedade digital? Como usar adequadamente as ferramentas tecnológicas de trabalho? Até aonde vai a privacidade? Quais as conseqüências do monitoramento dentro da empresa e o quanto isso esbarra na produtividade e na espontaneidade? O que é o direito de autor, considerando os modelos atuais de produção colaborativa e terceirizada? O e-mail é prova? Como entender o fenômeno da identidade do indivíduo em ambientes eletrônicos, com o uso de certificação digital ou biométrica? É errado enviar spam? É crime criar um vírus? E a fraude eletrônica? Todas estas questões merecem resposta – e quem for capaz de trazer soluções para elas tem a oportunidade de se diferenciar.



A Revolução da Informação, plantada em 1957, com a criação do primeiro mainframe, marcou o começo da digitalização da sociedade. Hoje, vivemos uma interdependência completa, globalizada, interativa e em rede. Uma simples página gratuita na internet já nasce global, com responsabilidades e obrigações dentro de um cenário complexo de normas. Somos reflexo não apenas de nosso conhecimento, do "penso, logo existo”, mas de nossa expressão, do “comunico-me, logo existo”: blogs, páginas pessoais, comunidades, fóruns, chats, messengers. E como fica a questão da prova da identidade, tão importante em situações de responsabilidade profissional, civil e criminal, com estes diversos “eus” em jogo?



Quando a sociedade muda, o direito também deve mudar. O direito digital consiste numa evolução do direito, abrangendo todos os princípios fundamentais vigentes e introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico em todas as áreas: direito constitucional, civil, autoral, comercial, contratual, econômico, financeiro, tributário, penal, internacional etc. Questões complexas, como proteção de marcas e domínios e uso de serviços de governo eletrônico, e simples, como uma compra em uma loja virtual, exigem uma nova postura do intérprete do Direito. Não basta mais haver um conjunto de leis. É preciso estabelecer uma interpretação dinâmica, interagir no ambiente em que está a manifestação de vontade, como num videogame em que se deve entender a regra no próprio jogo.



Por isso cresce a demanda pela auto-regulamentação, com elaboração de políticas, códigos de conduta, contratos e disclaimers, entre outras peças que devem estar inseridas nos sites, na intranet da empresa, na extranet, nos contratos com cláusulas que solicitam ciência e provas guardadas no formato original, que agora é o eletrônico. Quebram-se paradigmas. As relações atuais e a manifestação de vontade que as legitima já se tornaram eletrônicas. O arquivo original não é mais o papel, mas o dado, que deve ser guardado de modo adequado à preservação de sua autenticidade, integridade e acessibilidade, para que sirva como prova legal. Nesta nova realidade, a versão impressa é cópia.



Mais do que trazer novas questões jurídicas, o direito digital exige de todos um papel de estrategista. É preciso pensar antes, para preparar o terreno, para saber quais são as testemunhas. Além disso, exige um permanente monitoramento: o direito está baseado em ferramentas de controle de comportamentos. Não há mais barreiras territoriais nem temporais, e isso trouxe uma ampliação da responsabilidade que está cada vez mais solidária e objetiva.



O direito digital deve ser estudado não só para fins profissionais, mas para a formação dos cidadãos desta nova era, para que possamos continuar a exercer a liberdade individual sem prejuízo da vida coletiva em uma sociedade totalmente conectada, em que a ação de um pode gerar efeitos e conseqüências em cascata para todos. É preciso aprender estas novas regras sob pena de ficarmos obsoletos.





* advogada especialista em Direito Digital, autora do livro “Direito Digital” pela Editora Saraiva.





Disponível em: http://www.patriciapeck.com.br/cconhecimento_exibir.asp?inteMateriaID=18

Acesso em: 25 agosto.05.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Valores relativos a FGTS e PDV devem ser partilhados no divórcio

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os valores relativos à adesão a plano de demissão voluntária (PDV) e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) adquiridos sob o regime de comunhão universal devem ser partilhados no divórcio.

Os ministros, seguindo o voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior, destacaram a jurisprudência do Tribunal no sentido de que integra a comunhão a indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos durante o tempo de casamento sob regime de comunhão universal.

No caso, a divorcianda, em outubro de 1996, aderiu ao PDV da empresa em que trabalhava e colheu os valores do FGTS ainda na constância do casamento. Após a separação do casal, em novembro do mesmo ano, o ex-cônjuge requereu a partilha dos valores recebidos pela ex-mulher.

Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afastaram do monte divisível os valores relativos ao FGTS e ao PDV, considerando incomunicáveis os frutos civis do trabalho ou da indústria de cada cônjuge.

No STJ, o ex-cônjuge sustentou que as verbas recebidas na constância do casamento sob o regime de comunhão universal devem ser partilhadas com fundamento no artigo 265 do Código Civil de 1916.

Morte presumida garante direitos dos familiares de pessoas desaparecidas


Morte presumida garante direitos dos familiares de pessoas desaparecidas


O instituto da morte presumida está previsto em vários dispositivos da legislação brasileira. Graças a esse instrumento jurídico, os familiares de vítima de catástrofe ou de pessoa que simplesmente desapareceu sem deixar vestígio podem garantir judicialmente seus direitos à herança, pensões, seguro de vida, indenizações e outros procedimentos legais, como encerramento de conta bancária e cancelamento do CPF do desaparecido.

A declaração da morte presumida é o procedimento legal para atestar o falecimento de vítimas de acidentes cujos corpos não foram encontrados após o encerramento das buscas e posterior declaração oficial das autoridades de que não foi possível seu reconhecimento ou localização. Legalmente, o procedimento exige intervenção do Ministério Público para solicitar ao juízo a declaração da morte presumida mediante comprovação idônea de que a pessoa estava no local do desastre.

A legislação é tão clara que raramente os tribunais superiores são acionados para julgar conflitos relacionados ao tema, que majoritariamente são solucionados nas instâncias ordinárias. O conceito de morte e seus efeitos jurídicos estão elencados no novo Código Civil, que trata de duas hipóteses distintas: a morte presumida com a decretação da ausência e a morte presumida sem a decretação da ausência.

São diversos dispositivos. O artigo 7° do Código determina que pode ser declarada a morte presumida sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único: A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

O artigo 88 da Lei de Registros Públicos (6.015/73) permite a justificação judicial da morte para assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar o cadáver para exame.

O artigo 6º do Código Civil dispõe que a existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta quanto aos ausentes nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. O artigo 22 estabelece que, desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência e nomear-lhe-á curador.

Em tragédias aéreas, como a ocorrida recentemente com o avião da Air France que caiu no Oceano Atlântico, a Justiça vem aplicando conjuntamente os artigos 7º do Código Civil e 88 da Lei dos Registros Públicos para declarar a morte presumida sem a decretação de ausência. Tal declaração substitui judicialmente o atestado de óbito.

Na prática, o direito brasileiro prevê dois institutos distintos para casos de desaparecimento em que não existe a constatação fática da morte pela ausência de corpo: o da ausência e o do desaparecimento jurídico da pessoa humana.

No primeiro caso, a ausência acontece com o desaparecimento da pessoa do seu domicílio, sem que dela haja mais notícia. Na ausência existe apenas a certeza do desaparecimento, sem que ocorra a imediata presunção da morte, uma vez que o desaparecido pode voltar a qualquer momento. Nesse caso, a Justiça autoriza a abertura da sucessão provisória como forma de proteger o patrimônio e os bens do desaparecido.

No desaparecimento jurídico da pessoa, a declaração de morte presumida pode ser concedida judicialmente independentemente da declaração de ausência, já que o artigo 7° permite sua decretação se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida, como são os casos de acidentes aéreos ou naufrágios. Entretanto, ela só pode ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

Pensão previdenciária

Para requerer a pensão paga pela Previdência Social nos casos de desaparecimento do segurado em catástrofe, acidente ou desastre, os dependentes do desaparecido não precisam apresentar, de imediato, a declaração da morte presumida.

A Previdência Social aceita como prova do desaparecimento o boletim de ocorrência da Polícia – documento confirmando a presença do segurado no local do desastre –, noticiário dos meios de comunicação, entre outros, mas, enquanto não finalizar o processo que decretará a morte presumida, a cada seis meses os beneficiários terão de fornecer posição atualizada do processo à autoridade competente.

Decisões do STJ

Para efeito de pensão previdenciária, o Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que a concessão do benefício por morte presumida começa a contar desde a data do desaparecimento do segurado. Assim, no caso do acidente com o vôo 447 da Air France, por exemplo, a data da morte, em tese, deverá ser o dia 31 de maio, quando houve o último contato da aeronave com o controle de voo.

O artigo 78 da Lei n. 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social , determina que, "por morte presumida do segurado declarada pela autoridade judicial competente, depois de 6 (seis) meses de ausência, será concedida pensão provisória". Mas seu parágrafo 1º prevê que, mediante prova do desaparecimento do segurado em consequência de acidente, desastre ou catástrofe, seus dependentes farão jus à pensão provisória independentemente da declaração e do prazo deste artigo.

Recentemente, a Quinta Turma do STJ, em caso relatado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, rejeitou o recurso no qual o INSS sustentou que o pagamento do beneficio em situação de morte presumida é devido a partir da decisão judicial que reconheceu a morte do segurado. No caso em questão, o ex-segurado desapareceu no mar em junho de 1990 e sua morte foi reconhecida por meio de sentença judicial transitada em julgado em setembro de 1998.

Acompanhando o voto da relatora, a Turma reiterou que o fato gerador do beneficio é a data do desaparecimento e não a data da decisão judicial, mesmo com sentença tendo sido prolatada oito anos depois. Segundo a ministra, a morte presumida do autor foi reconhecida e seu óbito registrado com a data em que ele desapareceu no mar.

A pensão por morte é paga aos dependentes preferenciais do segurado: cônjuge, companheiro e filhos não emancipados, menores de 21 anos ou inválidos. Esses dependentes não precisam comprovar a dependência econômica, mas o companheiro (a) deve comprovar a união estável.

Sucessão

A legislação também distingue e detalha as três fases posteriores à declaração de ausência: a da curadoria dos bens do ausente, a da sucessão provisória e a da sucessão definitiva. Na primeira fase, os bens do ausente são arrecadados e a Justiça nomeia um curador, preferencialmente o cônjuge, desde que não separado judicialmente ou de fato por mais de dois anos. Em sua falta, o pai, a mãe ou os descendentes, precedendo os mais próximos aos mais remotos (artigo 25 do Código Civil).

O curador ficará responsável por representar os interesses do desaparecido, administrando bens, contas e recebíveis. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou três anos havendo ele deixado representante ou procurador, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória e posterior abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens.

A sucessão provisória será convertida em definitiva quando houver certeza da morte do ausente; dez anos depois do trânsito em julgado da sentença de abertura da sucessão provisória (artigo 37 do Código Civil), ou provando-se que o ausente possui 80 anos de idade sem que haja notícias dele há pelo menos cinco anos (artigo 38). Autorizada a abertura da sucessão definitiva, presume-se a morte do ausente (artigo 6º do Código Civil).

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

terça-feira, 9 de junho de 2009

GREVE


GREVE


A palavra origina-se do francês grève, com o mesmo sentido, proveniente da Place de Grève, em Paris, na margem do Sena, outrora lugar de embarque e desembarque de navios e depois, local das reuniões de desempregados e operários insatisfeitos com as condições de trabalho. O termo grève significa, originalmente, "terreno plano composto de cascalho ou areia à margem do mar ou do rio", onde se acumulavam inúmeros gravetos. Daí o nome da praça e o surgimento etimológico do vocábulo, usado pela primeira vez no final do século XVIII.
Originalmente, as greves não eram regulamentadas, eram resolvidas quando vencia a parte mais forte. O trabalho ficava paralisado até que ocorresse uma das seguintes situações: ou os operários retornavam ao trabalho nas mesmas ou em piores condições, por temor ao desemprego, ou o empresário atendia total ou parcialmente as reivindicações para que pudessem evitar maiores prejuízos devidos à ociosidade.
No Brasil ,até a chegada dos imigrantes europeus( período pós primeira guerra mundial),a greve era admitida no Estado como um simples fato social,porém a partir de então,intensificou-se em volume e quantidade,sendo até proibida de 1937 a 1945.
A Constituição Federal de 88, no artigo 9o diz que é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender".Logo cabe entender que o direito de greve é portanto,direito e garantia fundamental do cidadão trabalhador
Todavia, quando buscamos a doutrina vamos um pouco mais além, o professor MAURÍCIO GODINHO DELGADO ensina que a greve deve ser compreendida como "a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos".

TIPOS DE GREVE

Nem sempre as greve são bem vistas pelo Estado. Muitas delas terminam em violência física entre as partes envolvidas.
As greves podem ser de diversos tipos, a depender de fatores como tática, propósito ou alcance do movimento. Por esta razão, não é incomum associar aos movimentos grevistas termos que o qualifiquem. Dentre os tipos mais difundidos, encontram-se:

• Greve branca: Mera paralisação de atividades, desacompanhada de represálias;
• Greve de braços cruzados: Paralisação de atividades, com o grevista presente no lugar de trabalho, postado em frente à sua máquina, ou atividade profissional, sem efetivamente trabalhar;
• Greve de fome: O grevista recusa-se a alimentar-se para chamar a atenção das autoridades, ou da sociedade civil, para suas reivindicações;
• Greve geral: Paralisação de uma ou mais classes de trabalhadores, de âmbito nacional. Geralmente é convocado um dia em especial de manifestação, procurando chamar atenção pela grande paralisação conjunta.
• Greve selvagem: Iniciada e/ou levada adiante espontaneamente pelos trabalhadores, sem a participação ou à revelia do sindicato que representa a classe;
• Operação-padrão (ou greve de zelo em Portugal): Consiste em seguir rigorosamente todas as normas da atividade, o que acaba por retardar, diminuir ou restringir o seu andamento. É uma forma de protesto que não pode ser contestada judicialmente, sendo muito utilizada por categorias sujeitas a leis que restringem o direito de greve, como as prestadoras de serviços considerados essenciais à sociedade, por exemplo. É muito utilizada por ferroviários, metroviários, controladores de vôo e policiais de alfândega, entre outros.
• Estado de greve: Alerta para uma possível paralisação.
Ainda assim não se pode esquecer que o direito de greve não é absoluto ,estando grevista obrigado a atender as necessidades inadiáveis da comunidade, sujeitando-se às penas da lei quanto aos abusos cometidos (artigo 9o, § § 1o e 2o da CRFB).

Nos serviços ou atividades essenciais,os sindicatos,os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados,de comum acordo e durante todo o período de greve, a garantir a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.São considerados serviços ou atividades essenciais o disposto no artigo 10 da lei 7.783/89,que diz:
Art 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
Esses serviços essenciais não podem sofrer paralisação total, devendo-se garantir sua prestação, a fim de que atendam as necessidades da coletividade. É o que pode se extrair da leitura do artigo 11 caput da mesma lei:
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Complementa ,ainda, a lei que regulamenta o exercício de greve pelos trabalhadores em geral, no parágrafo único do artigo 11, que "são necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população".
Não podendo deixar de destacar que a greve desse tipo de serviço deve ser comunicada com antecedência mínima de 72 horas e para demais serviços 48 horas.
Constitui ABUSO DO DIREITO A GREVE a inobservância das normas contidas na lei,bem como a manutenção da paralisação após a celebração de negociação coletiva ou de decisão da justiça do trabalho.
Na vigência do instrumento negociado ou da sentença normativa,não será considerada abusiva a greve que tenha por objeto exigir o cumprimento de determinada clausula ou seja motivada por um fato imprevisto superveniente, modificando substancialmente a relação do trabalho(art.14,parágrafo único,I e II)
LOCKOUT
Enfim, há que se considerar que o tema relativo ao direito de greve não se esgota em si próprio, situando-se na sua abrangência correlata o instituto conhecido por lockout, definido como a paralisação das atividades da empresa,por iniciativa do empregador, como o objetivo de frustrar a negociação coletiva ou dificultar o atendimento das reivindicações dos empregados.
Sobreleva salientar, que a prática do lockout constitui-se em conduta marcadamente anti-sindical, atentatória aos fundamentos republicanos relativos aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigos 1o, III; 5o XXIII e 170, caput, III e VIII da CRFB), sendo peremptoriamente reprimida pelo artigo 17 da Lei de Greve (Lei 7.783-89), que diz ser "vedada a paralisação das atividades por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados".
OPERAÇÃO TARTARUGA
Considera-se operação padrão o sistema de trabalho implementado pelo empregado,em estrita observância às condições e disposições previstas em seu contrato ( recusando-se a realizar horas extras,acumular funções,reduzir seu intervalo para refeição e descanso etc.),o que não esta proibido legalmente.
Em contrapartida, a operação tartaruga,cujo objetivo é retardar intencionalmente a prestação dos serviços como forma de protesto,será admitida como falta disciplinar passível de indenização .
DIREITO DE GREVE AOS SERVIDORES PÚBLICOS
Os servidores públicos também possuem esse direito garantido constitucionalmente, estabelecendo o art.37,VIII,da Constituição Federal que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.
Entretanto,resta claro que o texto constitucional representa uma norma de eficácia limitada,dependendo de legislação que o torna aplicável nas relações jurídicas.
No julgamento de três mandados de injunção (Mis 670,708 e 712), a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal,inconformados com o “quadro de selvageria”instaurado,cientes das “séries conseqüências para o Estado de Direito”, decorrentes da inércia do Poder Legislativo desde 1988,e convictos do dever da Suprema Corte de dar efetividade às cláusulas constitucionais,decidiram declarar a omissão legislativa quanto ao comando constitucional de editar lei regulamentadora do exercício do direito de greve do setor publico,aplicando a este, no que couber, a legislação de greve vigente para o setor privado ( lei 7783/89)
MILITARES E A GREVE
A Constituição Federal distingue os servidores públicos civis dos militares e traça normas específicas para cada um deles. Ao passo que para aqueles é atribuído o direito à greve, para os militares, seu exercício é vedado.
O artigo 142, §3º, inciso IV, da Constituição, diz que "ao militar são proibidas a sindicalização e a greve". Portanto, aos militares, por disposição expressa da atual Constituição, é vedada a greve, contudo, freqüentemente, tem-se notícia de greves nas Polícias Militares de vários estados, como Minas Gerais e Bahia. Isto ocorre porque este dispositivo constitucional torna a greve realizada pelos servidores militares um ato ilegal, porém, como não há lei regulamentando o dispositivo, a greve segue sendo executada não configurando crime.
A greve realizada por militares, no entanto, às vezes é enquadrada como crime de motim, punindo-se criminalmente o militar não por ter realizado greve, mas por ter praticado este crime, que está previsto no artigo 149, caput, e incisos I, II, III e IV, do Código Penal Militar. Foi isso que ocorreu, por exemplo, com os militares controladores de vôos, como é visto mais adiante.
Configura-se crime de motim:
Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados:
I- agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la;
II- recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência;
III- assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior;
IV- ocupando quartel, fortaleza, arsenal. Fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar:
Pena – reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças.
A doutrina majoritária entende que não há que se cogitar o exercício do direito de greve pelos militares, tendo em vista que eles atuam na manutenção da ordem pública e na defesa dos interesses do Estado. É o que defende Diógenes Gasparini ao dizer que as proibições trazidas pela Constituição são necessárias à ordem e à hierarquia da Instituição, porque só assim a defesa da nação e a ordem pública podem acontecer efetivamente.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Alexandre de Moraes , ao comentar o artigo 142, inciso IV, da Constituição Federal, expõe que é proibida a realização de greve pelos servidores públicos militares "em face das funções a eles cometidas pela Constituição Federal, relacionadas à tutela da liberdade, da integridade física e da propriedade dos cidadãos".
De fato, o artigo 142, caput, da Constituição menciona que:
As forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Assim, pautam-se os militares na hierarquia e na disciplina, destinando-se à defesa da Pátria, e à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, o que não se coaduna com o exercício de greves.
Alguns doutrinadores entendem ainda que a greve exercida pelos militares pode, inclusive, dar ensejo a uma intervenção federal, com fundamento no artigo 34, inciso III , da Constituição Federal, que traz que "a União não intervirá nos Estados nem no Distrito federal, exceto para: [...] pôr termo a grave comprometimento da ordem pública". Ora, se é destinada aos militares a defesa e garantia da ordem, uma eventual greve desse setor poderia gerar realmente um grave comprometimento da ordem pública, o que, em tese, ensejaria uma intervenção federal.







Bibliografia:
BASILE,César Reinaldo Offa. Direito de Trabalho.Ed.Saraiva
Sites de Busca
http://www.webartigos.com/articles/3031/1/o-direito-de-greve-do-servidor-publico/pagina1.html
http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=10184

http://pt.wikipedia.org/wiki/Greve

sábado, 30 de maio de 2009

COTAS RACIAIS




O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa duas ações que pedem a anulação da política de cotas raciais no ensino superior. Atualmente 34 universidades públicas mantêm ações afirmativas no vestibular voltadas para estudantes negros. Opositores e defensores do sistema encaminharam abaixo-assinados ao STF defendendo suas posições. Conheça trechos de cada texto.

Acham que SIM

113 Cidadãos Anti-Racistas Contra as Leis Raciais

Questão sócio-econômica. São diferenças de renda, com tudo que vem associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino superior. As cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias. Proporcionam a um candidato definido como negro a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como branco, mesmo se o primeiro provier de família de alta renda e o segundo provier de família de baixa renda.

Genética. Raças humanas não existem. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de dez genes. Não é legítimo associar a cor da pele a ancestralidades e afirmar que as operações de identificação de "negros" com descendentes de escravos e com "afrodescentes" são meros exercícios da imaginação ideológica.

Martin Luther King. "Eu tenho o sonho de que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter." Há 45 anos Martin Luther King abriu um horizonte alternativo para os americanos, ancorando-o no princípio político da igualdade de todos perante a lei, sobre o qual foi fundada a nação.

Privilégio. As cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada. É preciso elevar o padrão geral do ensino, mas, sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas devastadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural.

Racismo. Leis raciais criam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros. Essa linha divisória atravessaria as salas de aula das escolas públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas e as casas dos bairros pobres. Neste início de terceiro milênio, um Estado racializado estaria dizendo aos cidadãos que a utopia da igualdade fracassou.

Acham que NÃO

Manifesto em Defesa da Constitucionalidade das Cotas

Questão sócio-econômica. As cotas significam uma mudança do Estado brasileiro na superação de um histórico de exclusão que atinge de forma particular negros e pobres. Os 113 anticotas ignoram a correlação sistemática que todos os estudos estatísticos indicam entre linhas de cor e curvas da pobreza. A maior vergonha de sua posição [dos opositores da política de cotas] é negar que a condição de branco signifique vantagem na vida brasileira.

Genética. Se uma pessoa negra é vítima de racismo e se tivemos um passado de 350 anos de escravidão, é mais do que legítimo tentar eliminar a obra da escravidão, que é a discriminação sofrida até hoje pelos que portam a aparência física dos africanos escravizados. Os argumentos genéticos são invocados ainda na tentativa de desqualificar a reivindicação por reparações aos descendentes de escravos no Brasil.

Martin Luther King. King sempre calçou seu sonho universalista na necessidade de políticas compensatórias. Numa entrevista para a Playboy defendeu o sistema de cotas: "Se uma cidade tem 30% de população negra é lógico supor que os negros devem ter pelo menos 30% dos postos de trabalho; e trabalho não somente nas áreas mais humildes".

Privilégio. Nos últimos cinco anos houve um índice de ingresso de negros no ensino superior maior do que jamais foi alcançado em todo o século 20. A caracterização desse avanço como um privilégio de raça menospreza o fato de que as medidas responsáveis por esse cenário trouxeram um conjunto novo de oportunidades que estavam vedadas a pessoas que ocupam os extratos mais baixos de nossa sociedade.

Racismo. Essa retórica da catástrofe é exatamente a mesma que circulava no Brasil na última década da escravidão, quando crescia o movimento abolicionista. Os 113 reacionários nada têm a propor a não ser adiar para um futuro incerto, quem sabe para daqui a 120 anos, a possibilidade de uma igualdade de oportunidades.

http://revistadasemana.abril.com.br/edicoes/38/polemica/materia_polemica_280454.shtml

sexta-feira, 29 de maio de 2009

UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA RECONHECIDA PELA JUSTIÇA FEDERAL


28/05/09

Ac�rd�o da 2� Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro, em sess�o ocorrida em 7 de abril, manteve, por unanimidade, a senten�a que reconheceu uni�o est�vel homoafetiva e deferiu o benef�cio de pens�o por morte � companheira.

A autora, servidora municipal, teria vivido em uni�o est�vel com V.L.P.M. por oito anos. Ap�s a morte de sua companheira, postulou benef�cio de pens�o por morte perante a Uni�o, n�o obtendo sucesso, em raz�o do que ingressou com a a��o no Juizado Especial Federal de Nova Friburgo requerendo o referido benef�cio.

O Ju�zo de 1� grau reconheceu a uni�o est�vel e deferiu o benef�cio de pens�o por morte � companheira, baseando-se na doutrina de vanguarda e alguns julgados dos Tribunais Superiores, afirmando que �se n�o reconhecermos a rela��o homoafetiva como esp�cie do g�nero uni�o est�vel, estaremos literalmente desconsiderando todos os ensinamentos hauridos na doutrina e jurisprud�ncia em rela��o ao princ�pio da dignidade humana (art. 1�, III, CF/88), proibi��o de discrimina��o entre sexos, ou melhor, op��o sexual (art. 3�, IV, CF/88) e autodetermina��o.�

O recurso da Uni�o sustentou que o conceito de fam�lia, na Constitui��o Federal, � a uni�o formada de homem e mulher, n�o podendo se falar em uni�o entre pessoas do mesmo sexo, de tal forma que o pedido da autora do benef�cio de pens�o por morte n�o deveria ser deferido por ser contr�rio � lei.

Julgando esse recurso, a 2� Turma Recursal, por unanimidade, ratificou a senten�a e reconheceu a uni�o est�vel homoafetiva, deferindo a pens�o por morte � companheira, de acordo com o artigo 16, inciso I e � 4� da Lei 8.213/1991.

No caso, o magistrado relator, Dr. Cassio Murilo Monteiro Granzinoli, entendeu que �a prefer�ncia sexual do indiv�duo n�o deve ser fator de discrimina��o, sob pena de malferir preceito vigente da Constitui��o Federal que contempla, dentre outros princ�pios fundamentais da Rep�blica Federativa do Brasil, o objetivo de promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, ra�a, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina��o (art. 3�, inciso IV)�. O Relator ainda citou em seu voto a Lei n� 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, na qual a uni�o homoafetiva entre duas pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar aparece de forma impl�cita no par�grafo �nico do artigo 5�: �As rela��es pessoais enunciadas neste artigo independem de orienta��o sexual�.

Processo: 2007.51.55.005741-2/01

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Indenização por Rompimento de Noivado


Indenização por Rompimento de Noivado
João Fernando Vieira da Silva *




INTRODUÇÃO



Noivado configura-se como o compromisso, firmado entre um homem e uma mulher, de contraírem futuro matrimônio.



O foco específico desta dissertação é analisar a plausibilidade de indenização por danos materiais e morais em razão do rompimento de noivado.



Os primórdios do noivado estão ligados ao instituto denominado “esponsais”, legado deixado pelo Direito Romano, que representavam a promessa solene de contrair futuro matrimônio (sponsalia sunt mentio et repromissio nuptiarum futurarum). Entre os romanos, o compromisso de casamento era realizado com assentimento dos pais e em cerimônia familiar realizada com a presença dos amigos mais próximos. O noivo presenteava a noiva com o anel esponsalício, ritual que, nos dias de hoje, ainda costuma ser efetivado, todavia com simbolismos diferentes, haja vista o hábito de que, com o noivado, os noivos passem a ostentar alianças em um dos dedos da mão direita.



Com esta exposição, resta pacífico que a mentalidade no sentido de não deixar irreparado um prejuízo experimentando em razão de rompimento de noivado tem matizes no Direito Romano, onde existia inclusive a previsão das chamadas “arras esponsalícias”, ou seja, em caso de rompimento de noivado, o noivo responsável por tal cisão poderia perder o valor das arras ou até mesmo ser compelido a pagá-las em triplo ou em quádruplo. Também merece registro histórico, provinda do Direito Romano, a actio de sponsu, ou seja, uma ação implementada para gerar indenização acerca do rompimento de noivado.



Embora não receba expresso trato legal no ordenamento jurídico pátrio, o noivado não deixa de merecer atenção da doutrina e da jurisprudência, uma vez que trata-se de comportamento que pode gerar direitos e obrigações facilmente aferíveis no mundo jurídico.



O noivado configura uma realidade social diferenciada de um singelo namoro, porém mais rudimentar se comparado a um casamento ou mesmo a união estável. Não pode ser reputado como instituto do Direito de Família, até porque o noivado está ainda na fase embrionária da formação de uma família, mas há possibilidade de ser inserido nos estudos concernentes ao Direito das Obrigações e da Responsabilidade Civil.



Há algumas legislações alienígenas que admitem expressamente a reparação por danos de ordem material e moral decorrentes da quebra de promessa de casamento. Exemplificando tal quadro, cabe dizer que no Código Civil Italiano a matéria é tratada no art. 81[1].



Findando esta explanação inicial, cumpre trazer à baila o seguinte escólio de Lino Eduardo Araújo que, ao elencar requisitos para cabimento da indenização por danos morais e materiais diz o seguinte [2]:

“Para a propositura da competente ação de indenização, é indispensável a concorrência dos seguintes requisitos básicos: a) promessa de casamento (cuja prova poderá ser feita por meio de testemunhas, correspondências trocadas pelos nubentes, convites para o casamento, documentos que demonstrem os preparativos do matrimônio e quaisquer outras provas admitidas em direito); b) ruptura injustificada do casamento; e, c) prova do prejuízo ou do dano causado pelo rompimento imotivado”.





1- NATUREZA JURÍDICA DO NOIVADO



1.1- Considerações sobre o casamento



Tendo em mente a firme idéia de que o noivado configura-se como um marco de compromisso para o casamento, o bom estudo sobre a matéria não pode deixar de apreciar este tópico com as cautelas que se fazem necessárias.



Assim sendo, é lúdico traçar um breve roteiro da natureza jurídica do casamento, providência que facilitará na concepção da formatação do arcabouço jurídico do noivado.



Muitas são as definições doutrinárias acerca da definição do que seria casamento. Com o escopo de ilustrar bem o tema, mister trazer para a colação o seguinte ensinamento de Borges Carneiro [3]:

“Matrimônio é associação permanente do homem e da mulher, instituída por Deus, para gerar e educar filhos, e para recíproco socorro de ambos. É originariamente um contrato: a Religião porém o consagrou e elevou à dignidade de sacramento”.



Nesta arguta conceituação alguns caracteres e efeitos do casamento podem ser facilmente visualizados. Senão vejamos:

a) O casamento trata-se de enlace com diversidade de sexos, algo que mostra-se absolutamente refratário a consórcios de pessoas do mesmo sexo;

b) O casamento tem o escopo inaugural de ser uma relação permanente, perene, o que não afasta, contudo, a possibilidade de dissolução de tal vínculo;

c) O casamento se presta à formação de uma família, com fincas à instituição de prole e perpetuação da espécie;

d) Não é cabível deixar de considerar o cogente aspecto solidarista do casamento, na medida em que homem e mulher tem deveres inafastáveis de auxílio mútuo;

e) O casamento pode ser reputado como um contrato.



Neste último item em específico, é válido sustentar alguma discussão doutrinária. Não existe uniformização do entendimento quanto à natureza jurídica do casamento, parecendo eterna a disputa entre aqueles que concebem o matrimônio como contrato e outros que defendem a bandeira do casamento enquanto instituição.



Fundamentalmente, parcela significativa da doutrina francesa, tendo como grandes expoentes Marty e Raynead, é de cunho anticontratualista, ou seja, inclina-se para a teoria da instituição, partindo do pressuposto de que o estado matrimonial se define como um estatuto imperativo pré-organizado, ao qual aderem os que se casam.



A doutrina do casamento como instituição apareceu inicialmente como uma espécie de reação publicista a determinados excessos privatistas da concepção contratualista. O casamento deveria ser enxergado como um status dotado com certa estabilidade para determinados fins. Pensando assim, o matrimônio caracteriza-se como um estado no qual os nubentes ingressam, uma grande instituição social que, se por um lado reflete uma situação jurídica que advém da vontade dos contraentes, por outro giro obedece normas, efeitos e condições adrede fixados na lei. Neste contexto, é válido destacar o que Maria Helena Diniz aponta sobre o assunto[4] :



“As partes são livres, podendo cada uma escolher o seu cônjuge e decidir se vai casar ou não; uma vez acertada a realização do matrimônio, não lhes é permitido discutir o conteúdo de seus direitos e deveres, de modo pelo qual se dará a resolubilidade da sociedade ou do vínculo conjugal ou as condições de legitimidade da prole, porque não lhes é possível modificar a disciplina legal de suas relações; tendo uma vez aderido ao estado matrimonial, a vontade dos nubentes é impotente, sendo automáticos os efeitos da instituição por serem de ordem pública ou cogentes as normas que a regem, portanto iniludíveis por simples acordo dos cônjuges”.



Colocando um pouco mais de complexidade nesta discussão, deve-se mencionar a existência de uma doutrina eclética ou mista, que procura uma fusão entre as concepções de cunho contratualista e institucionalista, algo que Rouast qualificou como “ato complexo”.



Fugindo de hibridismo confusos e retornando a polêmica para a simples disputa entre os defensores do casamento como contrato e os amantes da concepção do matrimônio como instituição, é chegado o instante de conferir espaço para explanação da tese contratualista.



A concepção contratualista tem sua gênese no Direito Canônico, isto é, tem origens inicialmente de cunho acentuadamente religioso. Este pensamento ganhou corpo no Direito Natural, galgando espaço no racionalismo jusnaturalista do século XVII, sendo inclusive incluída, com o advento da Revolução Francesa, no Código Francês de 1804, algo que teve notáveis influências na Escola Exegética do século XIX.



A construção contratualista do casamento sofreu profundas mutações se comparado à sua exposição originária. De uma inicial idéia de mero contrato civil, regido pelas normas comuns a todos os contratos, aperfeiçoando-se pelo simples consentimento dos nubentes, evoluiu para a configuração como contrato especial de Direito de Família ou contrato sui generis, uma vez que, em razão de certas peculiaridades legais, não se aplica cegamente ao casamento todos os parâmetros das acepções contratualistas meramente de cunho patrimonial.



Seguindo a mesma esteira de Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes, Silvio Rodrigues trabalha com a mentalidade do casamento como contrato de Direito de Família, postando-se decisivamente contrário a um olhar apenas institucionalista, embora respeite os argumentos doutrinários desta doutrina e até acate a inserção de alguns em seu edifício contratualista. Expondo trecho da obra deste valoroso pensador do Direito, tem-se o seguinte: [5]



“Todavia, por mais sedutora que se revele esta última concepção, não se pode negar o substrato contratual que se encontra no casamento.

Em rigor, se a mera idéia de um contrato, semelhante aos demais contratos de direito privado, não é suficiente para explicar a natureza do casamento, pelo menos como a lei o disciplina,, o conceito de instituição, na forma acima exposta, tampouco basta para explicá-la. Trata-se, sem dúvida, de um ato complexo, em que une o elemento volitivo ao elemento institucional.

(...) Portanto, trata-se de uma instituição em que os cônjuges ingressam pela manifestação de sua vontade, feita de acordo com a lei. Daí a razão pela qual, usando de uma expressão já difundida, chamei ao casamento contrato de direito de família, almejando, com essa expressão, diferenciar o contrato de casamento dos outros contratos de direito privado”.



Para que a idéia do noivado ganhe maior expressão e, por conseguinte, receba trato legal mais robusto, é mais interessante inserir o casamento na seara de um direito contratual, posicionamento que tornará menos pedregoso o esforço no sentido de conferir natureza jurídica ao noivado e traçar efeitos para o rompimento de tal pactuação.





1.2- Natureza jurídica do noivado- contrato preliminar verbal



O noivado não é ato, via de regra, revestido de maiores solenidades. Não é comum, por exemplo, que compromissos de noivado sejam tabulados por escrito e torna-se muito mais difícil ainda pensar na possibilidade de um noivado levado a registro público.



Entretanto, isto não retira a necessidade de que o Direito reconheça o noivado como um comportamento gerador de direitos e obrigações para os noivos e que assim, portanto, mereça esmero acadêmico em seu estudo e cautela na confecção de arestos legais e jurisprudenciais.



Cada vez mais nossos Tribunais têm sido provocados a se postar quanto aos efeitos de uma extinção ruinosa de noivado, principalmente no que concerne a plausibilidade e extensão de possíveis verbas indenizatórias decorrentes de tal acontecimento.



A contemporânea acepção do Direito Civil, recheada de inovações estabelecida pela Lei 10406/02 (o Novo Código Civil), obriga o sensato jurista a reformular o pensamento civilista, adequando-o, definitivamente, às balizas mestres traçadas no constitucionalismo pátrio. Em bom português: o Direito Civil deve ser estudado à luz da Constituição Federal de 1988, refletindo, por óbvio, seus firmamentos solidaristas, a compulsoriedade de respeito ao princípio da dignidade humana (CF/88, art. 1º, III) e uma sacrossanta obediência aos princípios e garantias fundamentais existentes no caput e incisos do art. 5º da Carta Magna.



Consectário lógico deste desenho é a mitigação de noções no civilismo com cunho individualista, egocêntrico, não calcados no bem comum e no respeito ao próximo.



Matérias vinculadas à Teoria Geral das Obrigações, ao Direito dos Contratos e ao Direito de Família reproduzem estas tendências de forma mais fidedigna ainda. Estes ramos do Direito Civil foram flagrantemente atingidos pelos bons auspícios da concepção do Direito enquanto ciência em busca da Justiça e da felicidade, ou seja, a idéia de direitos inexoravelmente carregados de função social.



Com isto, fica cada vez mais firme uma estóica condenação à visões egoístas sobre a formação e dissolução do noivado, acentuando-se à ampla ojeriza aos primados estritamente privatistas sobre o tema. Um noivado está longe de ter a mesma imponência e sistemática jurídica de um casamento, mas, na medida em que existe até como compromisso para a existência futura do casamento, também tolhe qualquer dos noivos de atos unilaterais notadamente agressivos à dignidade alheia. Em uma visão mais simplista, é bom dizer que um noivo não pode fazer o que bem entender com seu consorte, havendo liames éticos, morais e jurídicos a serem observados.



Feitas tais considerações, impende traçar a natureza jurídica do noivado.



Já foi dissecada a clássica dicotomia quanto à natureza jurídica do casamento (instituição x contrato), sendo certo que a visão contratualista foi a adotada para maiores elucubrações acerca do tema.



Ora, se o casamento é um contrato e o noivado simboliza compromisso no sentido de firmar futuro casamento, nada mais simples do que dizer que o noivado pode ser reputado como um pré-contrato ou contrato preliminar.



Advirta-se, contudo, que, por óbvio, o noivado, embora enxergado na ótica do pré-contrato, nem sempre redunda obrigatoriamente em casamento. Os noivos firmam uma expectativa de casamento, mas isto não quer dizer que efetivamente irão se casar. Não é razoável pensar em tornar obrigatório tal comportamento, sob pena de grandiosa violação a um dos princípios básicos do casamento, qual seja, a liberdade dos “candidatos a contraentes” de firmar ou não o matrimônio.



Nesta esteira, Silvio Rodrigues diz o seguinte:[6]



“ Todavia, é óbvio que o casamento só passa a existir e a gerar efeitos a partir do momento da celebração, quando os nubentes, perante o oficial celebrante, afirmam o propósito de casar-se um com o outro, e ouvem daquela autoridade a proclamação de que os declara casados (CC, art. 1535). Até aquele momento qualquer dos noivos é livre para se arrepender, não podendo, de qualquer modo, o arrependido ser compelido a casar. Tal princípio, de grande vetustez, visa a assegurar a liberdade que a pessoa tem de casar-se ou não.



Entretanto, não passa sem apreciação a questão de eventuais danos causados pelo abrupto e lesivo rompimento de noivado e é este o cerne do debate que aqui se trava. Voltando a trazer à colação os sempre lúcidos ensinamentos de Silvio Rodrigues, tem-se o seguinte[7]:



“ Todavia, é possível que o rompimento unilateral e injustificável da promessa de casamento venha a trazer dano a um dos noivos. Em face do que foi dito, o arrependido não pode ser forçado a casar-se. Entretanto, a questão a ser encaminhada é a de saber se poderá o arrependido ser compelido a reparar o prejuízo derivado de seu intempestivo e injusto arrependimento”.



Fica cogente a necessidade de conferir efeitos jurídicos ao noivado, que, embora não torne obrigatório o casamento, cria expectativas neste sentido e pode gerar danos a um dos noivos. Nesta perspectiva, Eduardo Cambi assim se posiciona[8]:



“(....) o noivado, por ter a finalidade de resguardar o direito de um homem e de uma mulher, absolutamente capazes, de virem a celebrar futuramente seu casamento cria, ao menos, uma justa expectativa para ambas as partes.

Não atribuir a esta justa expectativa nenhum efeito jurídico seria desconsiderar não só a liberdade das partes constituírem um futuro vínculo matrimonial, como também dar margem ao enriquecimento sem causa. No entanto, a conseqüência mais grave de não se proteger essa justa expectativa seria tornar sem efeito o princípio da boa-fé, menosprezando a credibilidade e a confiança mútuas, que são dois elementos imprescindíveis à harmonia das relações afetivas. Deste modo, ficariam os homens condenados ao veredicto hobbesiano (de ser o lobo do homem), empobrecendo e até inviabilizando as relações humanas, já que a não proteção da credibilidade e da confiança mútuas redundaria na falta de solidariedade, na desesperança e na descrença do amor, relegando às pessoas o sofrimento e a mais profunda solidão”.



Importa agora saber a qual ramo do Direito Civil o instituto do noivado pertence.



De cara, é preciso saber que o noivado não está na seara do Direito de Família. A ligação do noivado com o casamento consiste em estabelecer uma família no futuro, ou seja, no instante de seu firmamento o noivado ainda não criou uma família, a não ser, por óbvio, que ocorram hipóteses constitutivas de entes familiares, tais como a transformação de um inicial noivado em união estável ou mesmo o fato da noiva vir, no interregno do noivado, a engravidar de seu noivo.



A palavra “contrato” é a chave para demarcação da geografia jurídica do noivado. Visto, de forma recorrente, que o noivado configura um pré-contrato, nada mais óbvio do que alocar o noivado no campo do Direito das Obrigações, com íntima vinculação à esfera da Responsabilidade Civil.



Reforçando esta idéia, Eduardo Cambi assim se expressa[9]:

“Entretanto, não se pode perder de vista que o noivado pode gerar conseqüências jurídicas, sobretudo, no campo do Direito Obrigacional. Cabe ressaltar que o objetivo desta tutela não resulta na busca de meios, diretos ou indiretos, para que o casamento seja celebrado; ao contrário, restringe-se àquelas situações em que o rompimento do noivado pode ensejar danos materiais e/ou morais ao nubente prejudicado. Por conseguinte, sua inserção se dá na seara da responsabilidade civil”.



Diante de todo o exposto, é possível concluir que:

· O noivado não prescinde de formas solenes para ser pactuado, bastando o assentimento verbal;

· O noivado, na medida em que atesta compromisso de casamento, e considerado o casamento como um contrato, revela-se como pré-contrato;

· O noivado merece estudos mais acurados na seara do Direito Obrigacional, mais especificamente no campo da Responsabilidade Civil.




2- VIABILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS



2.1- Noções elementares de Responsabilidade Civil



A vida em sociedade demanda a obediência de regras. Nenhuma convivência gregária está isenta da imposição de limites e, quando tais liames são perpassados, o agente que tomou tal postura, dentro de balizas de razoabilidade, deve ser habilmente responsabilizado. Parafraseando Sartre, “o ser humano está condenado à liberdade”, algo que, sobretudo, não permite a existência de mundo libertino e anárquico, mas sim evoca o dever de cada um arcar com a responsabilidade dos atos que pratica.



A noção da responsabilidade pode ser retirada da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos.



Em sua ilustre obra, Rui Stoco ensina o seguinte:[10]



“(....)essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através de integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de Justiça existente no grupo social estratificado”.



Os estudos acerca da responsabilidade civil vêm cada vez tomando mais vulto e o implemento do Novel Código Civil impulsionou ainda mais este processo. Há um bonito espetáculo da jurisprudência no sentido de fixar novos parâmetros para a responsabilidade civil, implementando hermenêuticas modernas aos preceitos legais e doutrinários que orientam a matéria.



Ainda assim, inexoravelmente, o estudo da responsabilização civil demanda, a priori, análises acerca dos seus pressupostos de ocorrência. Não obstante certas frivolidades terminológicas, há certo consenso na doutrina em elencar tais pressupostos da seguinte maneira:



· Ação ou omissão do agente;

· Culpa do agente;

· Relação de causalidade;

· Dano experimentado pela vítima.



A ação ou omissão do agente simboliza o dever de todos de praticar o bem, evitando danos a outrem. A responsabilidade do agente pode nascer de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob os cuidados do agente e até mesmo por intermédio de coisas que estejam na guarda do agente.



A culpa também é um pressuposto da responsabilidade civil que merece avaliação criteriosa. Se alguém causou prejuízo a outrem em virtude de ação ou omissão voluntária, negligência, imperícia ou imprudência, fica obrigado a proceder à reparação do mal causado. Atente-se ainda para o fato de que, com base na dificuldade do ônus probatório de culpa em alguns casos, doutrina, jurisprudência e a lei vêm evoluindo para mitigar o papel da culpa, acatando, em certos casos, a responsabilidade objetiva, isto é, uma responsabilização firmada sem aquilatar-se culpa, geralmente calcada no implemento da teoria do risco.



A relação de causalidade ou nexo causal revela-se na medida em que é fundamental fazer a prova da existência de uma ligação visível entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima. Se a vítima sofrer um dano, mas evidenciar-se que esta mazela não adveio de conduta dolosa ou culposa do agente inicialmente acusado, não há que se falar em responsabilização, hipótese freqüente, por exemplo, nos casos de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior.



Por fim, imperioso destacar a necessidade de que a responsabilidade civil tenha como um de seus pressupostos a existência concreta de um dano, um prejuízo concreto a alguém.



Todos estes pressupostos da responsabilidade civil foram relativamente bem sintetizados na redação do art. 186 do Código Civil, que reza o seguinte:



“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.



Os singelos postulados acima traçados são de aplicabilidade inevitável quando o assunto é responsabilização civil por rompimento de noivado. Contudo, ainda há de se acrescer ao debate um outro tema de incisiva polêmica, vinculado à tese do abuso de direito.



Para contextualizar abuso de direito, recorra-se à Silvio Rodrigues, que assim se expressa [11]:



“O ato do agente causador do dano impõe-lhe o dever de reparar não só quando há, se sua parte, infrigência a um dever legal, portanto ato praticado contra direito, como também quando seu ato, embora sem infringir a lei, foge da finalidade social a que a ela se destina. Realmente atos há que não colidem diretamente com a norma jurídica, mas com o fim social por ela almejado. São atos praticados com abuso de direito, e, se o comportamento abusivo do agente causa dano a outrem, a obrigação de reparar, imposta àquele, apresenta-se inescondível”.



De fato, o abuso de direito, que na tradição civilista anterior era apenas tacitamente reconhecido no Código Civil de 1916 (art. 188, I), galgou espaço, ganhou autonomia e, no novo Código Civil, mereceu trato especial no art. 187, que diz o seguinte:



“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.



Basicamente, a doutrina se subdivide em duas tendências acerca da concepção jurídica do abuso de direito. A concepção subjetiva demanda o trabalho de buscar a intenção do titular do direito, analisando se ele atuou com o firme propósito de, utilizando-se de direito existente em sua esfera jurídica e sem sequer auferir qualquer benefício prático para si próprio, acabar deliberadamente prejudicando terceiro. Já a concepção objetiva procura perquirir o ato e o dano em si, as conseqüências de eventual manejo abusivo de um direito. De acordo com o critério objetivo, o titular de um direito, podendo exercê-lo de várias maneiras e optando pela via que mais prejudicou a vítima e em menor consonância com os fins sociais do direito, deve ser obrigado a reparar o dano.



Ao traçar os ditames do abuso de direito, o legislador pátrio filiou-se à concepção objetiva, haja vista que, na redação do art. 187 do Código Civil vislumbra-se termos como “fim econômico ou social” de um direito. A apreciação aqui leva mais em conta os resultados da ação do que seus fins, até porque não é fácil penetrar na mente do agente e descobrir as patologias de um uso indevido de direito. Segundo Josserand, os direitos foram conferidos ao homem para serem utilizados de forma que se adaptem ao interesse coletivo, opinião compartilhada por Mazeaud e Mazeaud, com a tese de que os direitos subjetivos devem ser encarados como direito-função. De certa maneira, Ripert também se preocupou com a matéria, uma vez que prega a inexistência de direitos absolutos e não passíveis de reduções ou conformações quando postos em conflito com outros direitos. Todo este ideário também pode ser vislumbrado no art. 5º da LICC que, ao dizer que “na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, assume, sem pudores, a necessidade de que os direitos sejam revestidos de conotação socializante.



Para o debate aqui lançado, quer seja na seara da responsabilidade civil firmada no quarteto ação ou omissão do agente- relação de causalidade- culpa e dano, quer seja nas lindes do abuso de direito, é correto afirmar que o rompimento de noivado pode gerar responsabilização civil.





2.2- Embate entre posicionamentos contrários e favoráveis à indenização por rompimento de noivado



A evolução do Direito não nasce da mansidão.... O debate e o confronto de idéias é fundamental para o melhoramento do ordenamento jurídico, sua mais apta conformação com os mais altaneiros preceitos de Justiça. Discursos uníssonos, dependendo das circunstâncias, podem até sofrer do vício do despotismo.



Considerando a necessidade de uma visão dialética e de estímulo para a produção de idéias através do choque, as considerações sobre o rompimento do noivado também não podem deixar de mencionar pensamentos refratários à idéia de que tal postura possa gerar responsabilização civil.



Silvio Rodrigues, embora seja solene defensor da indenização tanto por danos morais quanto por danos materiais em caso de rompimento de noivado, não deixou de mencionar em sua obra manifestações contrárias à tal possibilidade de indenização. Senão vejamos:[12]



“Assim, em julgado de 1965 (RT, 360/398), o Tribunal do Rio de Janeiro denegou a pretensão de noiva que pedia indenização pelo rompimento de noivado, alegando, entre outros, prejuízo derivado de sua demissão do emprego. A Corte entendeu não ser indenizável tal dano, acrescentando, contudo, não ter sido injusto o desfazimento do noivado. Eis o trecho do aresto:

‘Reduzida a questão posta na inicial ao pedido de indenização pela ruptura de noivado, manifesta é sua improcedência. O nosso Código Civil exclui os esponsais dentre os contratos, cuja ruptura seja suscetível de indenização, dada a sua natureza especial, que não deve prejudicar o livre consentimento do matrimônio. Aliás, no caso está manifesto nos autos, inclusive pelo depoimento da própria autora, o justo motivo que teve o réu para desfazer esse noivado’.

Vênia é pedida para a transcrição da ementa de um outro julgado, do mesmo Tribunal e no mesmo sentido:

‘Quem exerce direito seu não pratica ato ilícito de natureza alguma. Assim, o noivo que rompe o ajuste para seu casamento, rompimento, aliás, admissível até mesmo na hora deste, quando não tenha induzido a noiva a gastos despropositados, não tem a menor obrigação de a indenizar a qualquer título.

Noivado é compromisso de natureza puramente moral e, por isso mesmo, ao desamparo de qualquer norma jurídica. Assim, o seu rompimento, em tese, não admitirá nenhuma sanção de ordem econômico-financeira’ (RT, 473/213).



De certa forma, o que se percebe nestes julgados acima expostos são certos ranços de uma visão “machista” do Direito Civil, mentalidade tacanha, em acelerado processo de desaparecimento no civilismo dos tempos modernos.



Contudo, a discussão revela-se profícua e há outros interessantes apontamentos a serem feitos.



Sérgio Couto, advogado no Rio de Janeiro, sem os ranços reacionários da menção acima, expõe a idéia de o fim do amor é uma possibilidade verossímil dentro de uma relação afetiva, e, nem por isto, há que se perquirir indenização, sob pena de transformar pedido desta natureza em alimento do rancor do noivo abandonado. Trazendo esta explanação para apreciação, mister citar o seguinte[13]:



“(....) O risco da ruptura integra o risco do namoro, noivado, uma experiência nem sempre bem sucedida, porque é um fenômeno natural. Como imaginar violação de direitos subjetivos, no simples fato do rompimento do noivado, do namoro, ou até mesmo nas separações judiciais? Evidente que os contratempos existem, e também o desconforto pelo abandono de um projeto de vida a dois, o que não deixa de ser frustrante, para os personagens. Estes têm o direito de ser felizes juntos ou separados.

Não se consegue atinar, a pretexto de se obter uma reparação pecuniária, que alguém bata às portas da Justiça, aguardando durante meses ou anos por uma solução, comprometendo a sua felicidade pessoal em razão de dolorosa expectativa de uma indenização, que no mais das vezes tem o caráter de vindita. Sim, somente o sentimento negativo de vingança, por situações não bem resolvidas é que poderiam desencadear o processo.

Se a pessoa ainda estiver só, torcerá para que a demanda perdure ad seculorum para irritar bem o ex adversus. Se estiver acompanhada, que será de seu novo e pobre namorado, obrigado a “abanar”o incenso que a sua namorada alimenta para não deixar fenecer o caso antigo? Será que vale a pena, por dinheiro, viver em função de mágoas, somatizando sensações desconfortáveis, colocando em risco a sua felicidade pessoa e a de seu atual companheiro que nada tem a ver com o episódio? Neste, o namorado atual tem tudo para desconfiar de quem já demonstrou do que será capaz. E é bom que ele pense muito antes de dar o passo definitivo, porque ele passou a conhecer a posição beligerante da namorada. Quem poderá garantir que ele não será o próximo alvo?

É preciso considerar que o fato do abandono, por pior que possa parecer, constitui um presságio feliz, porque se o casamento se realizasse, havendo dúvidas e inquietações envolvendo os nubentes ou cada um deles, o fracasso é certo. E se houver filhos, aí então a situação pioraria.

É preferível capitular do que insistir na farsa de se realizar a cerimônia apenas para cumprir um protocolo social ou familiar de tão graves conseqüências. O casamento exige, antes de tudo, amor e parceria. Se esse binômio não existe, porque continuar?

O noivado não tem sentido de obrigatoriedade. Pode ser rompido até o momento da celebração do casamento.”



De fato, estes argumentos são fortes. Contudo, é preciso muita cautela quando nós deparamos com visões promíscuas acerca de relações sentimentais, principalmente se padecem do vício de tornar efêmero o rompimento de expectativas afetivas e menosprezam a dor alheia...



Recordando que, no estudo da natureza jurídica do noivado, já foi dissertado acerca de sua concepção como pré-contrato, é interessante chamarmos à atenção para a aplicabilidade a este instituto do princípio da boa-fé objetiva, erigido à uma das pedras de toque do Direito das Obrigações com o advento do Novo Código Civil.



Sobre a boa-fé objetiva, nada melhor do que trazer à colação os ensinamentos de Silvio de Salvo Venoza:[14]



“ A questão da boa-fé atine mais propriamente à interpretação dos contratos. O código italiano já estabelecera que, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, as partes devem portar-se com boa fé (artigo 1337). Esse dispositivo serviu, certamente, de inspiração para nosso novo Código Civil. O aspecto guarda muita importância com relação à responsabilidade pré-contratual.

Coloquialmente, podemos afirmar que esse princípio se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta antes, durante e depois do contrato. Isso porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais.

(...) Diz-se que o novo Código Civil constitui um sistema aberto, predominando o exame do caso concreto na área contratual. Trilhando técnica moderna, esse estatuto erige cláusulas gerais para os contratos. Nesse campo, realça-se o artigo 420, e especificamente o artigo 421 que faz referência ao princípio basilar da boa-fé objetiva, a exemplo do código italiano acima mencionado: “Os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”.

(...) A boa-fé objetiva, por outro lado, tem compreensão diversa. O intérprete parte de um padrão de conduta comum, de homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos.

(....) Tanto nas tratativas como na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido (responsabilidade pós-obrigacional), a boa-fé objetiva é fator basilar de interpretação. Dessa forma, avalia-se sob a boa-fé objetiva tanto a responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e a pós-contratual. Em todas essas situações sobreleva-se a atividade do juiz na aplicação do direito ao caso concreto. Caberá à jurisprudência definir o alcance da norma dita aberta no novo diploma civil, como aliás, já vinha fazendo como regra, ainda que não seja mencionado expressamente o princípio da boa-fé nos julgados. É no campo da responsabilidade pré-contratual que avulta a importância do princípio da boa-fé objetiva, especialmente na hipótese de não justificada conclusão dos contratos”.



No entender do nobre autor, a boa-fé orienta os contratos e deve ser observada com mais atenção principalmente nos pré-contratos, e, afinal de contas, a natureza jurídica do noivado pode ser concebida como contrato preliminar. Logo, as expectativas geradas em torno de um noivado possuem efeitos jurídicos muito mais intensos do que pode supor uma interpretação menos arguta do tema.



Entretanto, é preciso ter a cautela de expor que, em certos casos, realmente as circunstâncias que levaram ao rompimento do noivado realmente retiram qualquer possibilidade de indagação acerca de responsabilidade civil. Não há como perquirir dano se a suposta “vítima” contribuiu decisivamente para o término da relação. Neste diapasão, Lino Eduardo Araújo Pinto assim exemplifica[15]:



“No entanto, constituem motivos justos para a ruptura do noivado e, via de conseqüência, que excluem o direito a qualquer indenização: a gravidez da noiva ocasionada por pessoa diversa do noivo; desconhecimento pela futura esposa de moléstia grave de que o nubente é portador e vice-versa; conduta desonrosa do (a) noivo (a); sevícia e agressão; injúria etc”.





2.3- Fixação de indenização por danos materiais



Não obstante o cuidado com que foi tratada a tese de que o rompimento de noivado não gera o dever de indenizar, a boa doutrina e jurisprudência caminha para uma resposta afirmativa nesta matéria, ou seja, a cisão brusca de um noivado pode, sim, gerar a possibilidade daquele que se sentiu lesado pedir reparação de danos.



O enfoque do momento é analisar a viabilidade de tal indenização na seara dos danos materiais.



Dando trato legal à matéria, a Lei 10406/02 (Novo Código Civil), em seu art. 927 prevê o seguinte:



“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.



Feitas tais considerações, o cuidado agora deve ser como aquilatar os danos materiais, ou seja, que tipo de evento ocasiona a incidência de responsabilidade civil inerente a esta hipótese de dano.



Lino Eduardo Araújo Pinto assim trata a matéria:[16]



“Para fins de reparação, são levadas em consideração todas as despesas realizadas em razão do noivado e/ou prejuízos daí advindos com o seu rompimento. Como exemplo podemos citar um o do nubente que perde oportunidade de ser promovido para melhor cargo, ou função dentro da empresa onde trabalha, em virtude da sua recusa em aceitar diante da proximidade do casamento. O efeito parda que haja reparação do dano material, é preciso que o juízo sofrido pela parte tenha acarretado diminuição do patrimônio”.



Também discorrendo sobre o assunto, Eduardo Cambi expõe o seguinte:[17]



“Na esfera patrimonial, os prejuízos mais comuns são os danos emergentes, que constituem na efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Em razão da cada vez mais especializada ‘indústria do casamento’, com a prestação de serviços dos mais variados, e com os demais dispêndios que os preparativos deste evento e desta ‘mudança de vida’ sempre causam, os danos podem incluir, dentre outros: os gastos, efetuados por uma das partes antes do rompimento do noivado, com a aquisição de alianças, o aluguel do salão de festas, o buffet, o conjunto musical, os arranjos de flores, os convites, a cerimônia religiosa, o vestido de noiva ou a roupa do noivo, o bolo, a compra ou a locação de imóvel para futura residência, o pacote de viagens programado para a lua-de-mel, as peças do enxoval, os móveis e eletrodomésticos adquiridos etc. Além da existência destes danos emergentes, não se pode ignorar a possibilidade de haver lucros cessantes, que são aqueles que resultam da frustração da expectativa de lucro, desde que entre a conduta lesiva e o dano exista uma relação de causa e efeito direta e imediata, conforme prevê o artigo 1060 do Código Civil. Por exemplo, aquela pessoa que, sendo servidora pública, obteve licença sem vencimentos, com o objetivo de se mudar para a cidade em que o outro nubente reside ou para se dedicar integralmente aos preparativos do casamento, pode obter, a título de lucros cessantes, a indenização dos vencimentos que deixou de receber, em razão da não celebração culposa do casamento. No entanto, para haver o reconhecimento judicial desses danos materiais, bem como para se precisar a sua extensão e a sua quantificação, é indispensável à realização de prova, cujo ônus cabe ao autor (CPC, art. 333, I)”.



Para fechar o assunto, recorre-se aos sábios e nuca desprezíveis ensinamentos de Silvio Rodrigues:[18]



“Parece-me, entretanto, que a despeito do silêncio da lei, o rompimento injustificado do noivado justifica a ação de reparação do dano causado. Se por força da promessa de casamento a noiva adquiriu enxoval e nas peças mais caras fez bordar as iniciais do futuro marido; se o noivo alugou prédio para a futura residência, comprou móveis que ficariam inaproveitados; se a noiva pediu demissão de seu emprego com a concordância de seu noivo, para dedicar-se desde logo aos aprestos das bodas e do lar que iam constituir; em todas essas hipóteses e outras semelhantes entendo que a ação de indenização pode ser proposta pelo prejudicado, com fundamento na regra geral do art. 186 do Código Civil.”.





03- VIABILIDADE DA INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS



3.1- Noções elementares sobre o dano moral



A necessidade de reparar danos causados a alguém não abarca apenas prejuízos na seara patrimonial do ofendido. Há também que se atentar para as lesões provocadas à esfera extrapatrimonial do indivíduo.



Em verdade, a Moral e o Direito constituem estradas que sempre se bifurcam. Não há que se pensar em Direito completamente refratário de noções morais, sendo axiomático a idéia de junção destes dois paradigmas. Kant preconiza tal possibilidade com maestria, e o ordenamento jurídico hodierno não foge desta premissa.



Explanando sobre a matéria com a clareza habitual, Humberto Theodoro Júnior assim leciona:[19]



“No convívio social, o homem conquista bens e valores que formam o acervo tutelado pela ordem jurídica. Alguns deles se referem ao patrimônio e outros à própria personalidade humana, como atributos essenciais e indisponíveis da pessoa. É direito seu, portanto, manter livre de ataques ou moléstias de outrem os bens que constituem seu patrimônio, assim como preservar a incolumidade de sua personalidade.

É ato ilícito, por conseguinte, todo o ato praticado por terceiro que venha refletir, danosamente, sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem como ser moral. Materiais, em suma, são os prejuízos de natureza econômica, e, morais, os danos de natureza não-econômica e que ‘se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, ou outras deste nível, produzidas na esfera do lesado’ (CARLOS ALBERTO BITTAR, Reparação Civil por Danos Morais, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, n.5, p. 31). Assim, há dano moral quando a vítima suporta, por exemplo, a desonra e a dor provocadas por atitudes injuriosas de terceiro, configurando lesões nas esferas interna e valorativa do ser como entidade individualizada (idem, n. 6, p. 34).

De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana (‘o da intimidade e da consideração pessoal’), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (‘o da reputação ou da consideração social’) (idem, n. 7, p. 41)”.



O dano moral, na maioria dos casos, representa uma chaga aberta na vida do lesionado, um trauma que abala sensivelmente os valores mais íntimos do atingido, não podendo ser apagado definitivamente. Ao contrário dos danos materiais, nos quais a reconstrução patrimonial firmada pela responsabilização civil do ofensor pode evitar cicatrizes perenes, os danos morais, quando muito, podem apenas ser minorados com o implemento de indenização. Neste sentido, novamente recorrendo ao sábio escólio de Humberto Theodoro Júnior, temos o seguinte:[20]



“Quando se cuida de dano patrimonial, a sanção imposta ao culpado é responsabilidade pela recomposição do patrimônio, fazendo com que, à custa do agente do ato ilícito, seja indenizado o ofendido com o bem ou valor indevidamente desfalcado. A esfera íntima da personalidade, todavia, não admite esse tipo de recomposição. O mal causado à honra, à intimidade, ao nome, em princípio é irreversível. A reparação, destarte, assume o feitio apenas de sanção à conduta ilícita do causador da lesão moral. Atribui-se um valor à reparação, com o duplo objetivo de atenuar o sofrimento injusto do lesado e de coibir a reincidência do agente na prática de tal ofensa, mas não como eliminação mesma do dano moral”.



No ordenamento jurídico pátrio, o instituto dos danos morais encontrou, durante bom tempo, forte resistência, posicionamento que tinha como uma de suas escoras principais o fato da não inserção em textos legais deste tipo de dano.



A Constituição Federal de 1988, seguindo a mais acertada jurisprudência e doutrina, espancou completamente o problema, uma vez que, de forma expressa, no art. 5º, V, consagrou a possibilidade de reparação por danos morais.



O Novo Código Civil, reproduzindo este pensamento, expressamente inseriu a possibilidade de reparação por danos morais no já mencionado art. 186.



Ainda assim, o instituto dos danos morais permanece recheado de polêmicas, dúvidas, paradoxos e variantes intermináveis. Uma dificuldade monstruosa, por exemplo, liga-se à fixação de critérios para arbitramento quantitativo do dano moral no caso em concreto.



A honra, o decoro, a dignidade de uma pessoa representam idéias muito íntimas, portanto carregadas de alto teor de subjetivismo. Logo, não é sem lugar a seguinte pergunta: quanto vale a moral de alguém? Responder tal questionamento eqüivaleria a encontrar-se o Santo Graal, o Cálice Sagrado do Direito, tarefa de dificuldade epopeica...



Sem o escopo de apresentar uma solução definitiva para a questão, mas dando mais luz ao debate, urge, de novo, mencionar Humberto Theodoro Júnior:[21]



“O juiz, em cujas mãos o sistema jurídico brasileiro deposita a responsabilidade pela fixação do valor da reparação do dano moral, deverá fazê-lo de modo impositivo, levando em conta o binômio ‘possibilidade do lesante- condições do lesado’, cotejado sempre com as particularidades circunstanciais do fato danoso, tudo com o objetivo de alcançar:

a) um ‘valor adequado ao lesado, pelo vexame, ou pelo constrangimento experimentado’;

b) uma ‘compensação’ razoável e eqüitativa não para ‘apagar os efeitos da lesão, mas para reparar os danos’ (BITTAR, ob.cit., n. 11, p. 68), ‘sendo certo que não se deve cogitar de mensuração do sofrimento, ou da prova da dor, exatamente porque esses sentimentos estão ínsitos no espírito humano’ (ob.cit., n. 13, p. 79)

(...) Dentro dessa ótica, não se deve impor uma indenização que ultrapasse, evidentemente, a capacidade econômica do agente, levando-o à ruína. Se a função da reparação do dano moral é o restabelecimento do ‘equilíbrio nas relações privadas’, a meta não seria alcançada, quando a reparação desse consolo espiritual à vítima fosse à custa da desgraça imposta ao agente. Não se pode, como preconiza a sabedoria popular, ‘vestir um santo desvestindo o outro’.

Da mesma maneira, não se pode arbitrar a indenização, sem um juízo ético de valoração da gravidade do dano, a ser feito dentro do quadro circunstancial do fato e, principalmente, das condições da vítima. O valor da reparação terá que ser ‘equilibrado’, por meio da prudência do juiz. Não se deve arbitrar uma indenização pífia nem exorbitante (...)”



Reconhecida a importância da reparação por danos morais e a necessidade de fixá-los com prudência e bom senso, cabe agora discorrer acerca da possibilidade de incidência de tais danos em caso de rompimento de noivado.





3.2- Embate entre posicionamentos contrários e favoráveis à fixação de danos morais no rompimento de noivado



Conforme já exposto em capítulo anterior, sequer a indenização pelos danos materiais em razão de rompimento de noivado é universalmente aceita, ainda existindo resquícios, um tanto quanto defasados, de contrariedade... Na seara concernente ao dano moral a polêmica é mais intensa ainda.



Elizabete Alves de Aguiar sintetiza bem esta matéria:[22]



“No que pertine ao cabimento da reparação de danos morais em decorrência de ruptura da promessa de casamento, controvertida é a doutrina. Há os que negam cabimento à reparação por danos morais em tal caso, sob o argumento de que um noivado ou namoros sólidos e duradouros que fossem rompidos abruptamente e sem motivos não faz nascer a responsabilidade civil por danos morais, pois tais ‘compromissos’ não induzem início de execução por não se traduzir em um contrato, importando o rompimento da ‘promessa de casamento’ tão só na possibilidade de ressarcimento por danos materiais, eis que o desfazimento de tal ‘compromisso amoroso’ fica na dependência de motivos de ordem subjetiva e afetiva, inerentes ao ser humano”.



A rigidez na caracterização da incidência efetiva de um dano moral pode ser demonstrada neste julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:



“(...) Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo a normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são tão intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos” (Des. Sérgio Cavalieri Filho, mencionado na Ap. Cív. 9.852/2001, do TJ-RJ)”.



Para este discurso, frivolidades, veleidades, caprichos, rancores passageiros não poderiam gerar a necessidade de reparação por danos morais. A pergunta que se faz é a seguinte: o rompimento do noivado está nesta órbita fugaz?



Conferindo ainda mais espaço para aqueles que se postam contrários à indenização por dano moral em caso de rompimento de noivado, urge trazer ao estudo as considerações do outrora mencionado Sérgio Couto:[23]



“E o rompimento do noivado, à evidência- reiterando as vênias- não se inclui na hipótese de indenizabilidade. Não foi mesmo a ação de dano moral idealizada para desatar nós que os laços do destino aplicam em nossas vidas, exatamente porque a revitalização dos sentimentos pelo outro romance que surge naturalmente a cada tropeço amoroso, enriquece a alma com a felicidade que indenização alguma poderá proporcionar.

Viver é melhor que sonhar com o quantum indenizatório”.



Apesar destes respeitosos argumentos, não devemos crer que o rompimento tresloucado de um noivado importe em acontecimento menor na vida de uma pessoa. O abandonado não verterá lágrimas apenas nos instantes mais próximos ao indesejado término de relação. Trata-se de uma dor que atinge o âmago da pessoa, corrompe seus valores, frustra suas esperanças, pisoteia seus mais cândidos sentimentos. Anos e anos de terapias e apoio psicológico específico não são capazes de evitar isso. Há ainda que se considerar que, um infortúnio drástico como este, instaura o medo na vida da pessoa, faz ela se sentir envergonhada na convivência social, e pode até inviabilizar o sucesso de futuros consórcios afetivos, afinal de contas, dirá o lesado por um rompimento de noivado: “será que isto não pode acontecer comigo de novo”? Destruir os sonhos de alguém significa matar o que ela tem de mais sublime. O Direito não aplaude a torpeza!





2.3- Fixação de indenização por danos morais



Iniciando esta explanação, nada melhor do que recorrer aos augustos ensinamentos de Silvio Rodrigues: [24]



“A meu ver, repito, desde que haja rompimento injusto do noivado- e esse é o requisito básico para que a demanda possa prosperar-, pode o prejudicado, a despeito do silêncio da lei, reclamar a indenização do prejuízo experimentado. Entendo ademais que, em face do rompimento injustificado do noivado, poderá o juiz, igualmente, fixar uma indenização moderada para a reparação do dano moral”.



A idéia do nobre doutrinador realmente traduz o pensamento mais avançado sobre a matéria, ou seja, o rompimento do noivado, desmotivado e lesivo ao noivo abandonado gera a possibilidade de reparação por danos morais. A dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III) não simboliza mero decorativo de cartilhas acadêmicas. O Direito deve sempre estar atento à demanda social e não tolerar a transformação do livre arbítrio em mecanismo de menoscabo aos sentimentos alheios.



Dando mais corpo a esta tese, Eduardo Cambi assim se posiciona:[25]



“Por fim, o rompimento do noivado pode causar danos extrapatrimoniais, em razão da violação da honra subjetiva e objetiva da vítima (....) São exemplos de infringência à esfera de honra subjetiva, dando causa à compensação dos danos extrapatrimoniais: a frustração gerada pela expectativa de casamento criada pelo noivado (broken heart; a propósito, não deve ser desconsiderado, inclusive, os prejuízos causados a alguém que, mantendo-se fiel ao compromisso gerado pelo noivado, perde, com o transcurso do tempo depositado à espera da concretização do matrimônio, a oportunidade de contrair outro casamento), à depressão e à perda da auto-estima, à irritabilidade constante e a reclusão ao convívio social, as injúrias manifestadas por ocasião do rompimento da promessa de casamento etc. Em contrapartida, são exemplos de transgressões à honra objetiva: a humilhação e os constrangimentos que tenha passado, sobretudo, perante aqueles que já haviam sido convidados e estavam ajudando na preparação do casamento, perante aqueles que assistem a cerimônia (na hipótese da ruptura ocorrer durante a celebração do casamento), ou, ainda, perante aqueles que foram contratados para organizar o evento; além disso, geram violação a honra objetiva as calúnias e difamações manifestadas para justificar o rompimento do noivado. Esses sofrimentos, humilhações e constrangimentos, em razão da dificuldade de serem objetivamente demonstrados, podem, conforme as circunstâncias, serem presumidos, não ficando condicionados à rigidez imposta pelo artigo 333, inc. I, do CPC, mas também devem ser, ao menos verossimilhantes, sob pena de serem desconsiderados”.



Urge apontar que estas obtemperações não se circunscrevem às disceptações doutrinárias, existindo crescente amparo jurisprudencial para o pensamento aqui esposado.



Julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 5 de maio de 1982, tem a seguinte ementa:



“CASAMENTO- Promessa- Noivado- Rompimento três dias antes do dia do matrimônio- Culpa- Indenização- Ação ajuizada pela noiva- Procedência”

A promessa de casamento é contrato preliminar e à responsabilidade dele decorrente subordina-se caráter abusivo do rompimento.

Os princípios que impedem a executividade da promessa de casar não significam que sua ruptura culposa seja indiferente ao Direito.

A configuração da culpa extracontratual pelo rompimento injustificado do compromisso importa reparação através de indenização abrangente das despesas feitas em contemplação do noivado e dos prejuízos resultantes da ruptura da promessa a título de danos emergentes, a serem apurados em execução de sentença.

No aresto ainda se cogita da indenização do dano moral, pois estes, conjuntamente com os prejuízos materiais resultantes do ato ilícito, deverão ser apurados em execução” (RT, 567/174)



Destaque-se que existem julgados com pensamento mais revolucionário ainda, consistindo na tese de que os danos morais sequer carecem de prova.... Avançar na seara da culpa presumida ou até mesmo da responsabilidade objetiva neste assunto é perigoso, o instituto ainda reclama maiores cautelas e dispensar a necessidade de produção de escólio probatório exige menos afobação. Ainda assim, trazendo à lume jurisprudência neste sentido, tem-se o seguinte:



“INDENIZATÓRIA- RESPONSABILIDADE CIVIL- ESPONSAIS- DANOS MORAIS E MATERIAIS- Ruptura de noivado às vésperas do casamento e após distribuição de convites. Incontrovérsia em relação ao rompimento. Danos materiais devidos. Desnecessidade de prova do dano moral, considerado notório o sofrimento de noiva jovem, protagonista de relacionamento que durou 5 anos. Preliminares rejeitadas. Condenação afastada em face dos benefícios da gratuidade judiciária. Recurso provido em parte. (TJSP- AC 89.944-4- 6ª CDPriv.- Rel. Des. Munhoz Soares- J. 16.03.2000)”.



É preciso dizer que o avanço da idéia de responsabilidade civil decorrente de rompimento de noivado e a possibilidade de condenação do agente causador de um mal por danos morais ainda demanda muito estudo, a inexorável dialética doutrinária, empenho da jurisprudência em delinear limites e parâmetros mais incisivos, inclusive no que concerne a quantificação dos danos. Um novo Código Civil está em vigência e a efervescência dos debates jurídicos ainda pode trazer muitas contribuições para esta tão densa e polêmica matéria. Essencial neste processo é sempre preservar o discurso da função socializante do Direito, partindo de uma premissa que, embora possa soar um pouco simplista, não deixa de ser verdadeira: “o direito de um termina quando começa o do outro”.


CONCLUSÃO



Com intento acentuadamente didático, procurando compilar idéias de forma organizada e inteligível, crê-se que o tema indenização por rompimento de noivado oportuniza os seguintes comentários:



1- A indenização por rompimento de noivado, tanto na esfera dos danos materiais, quanto na dos danos morais, muito embora não esteja expressamente prevista no Direito codificado pátrio e ainda seja objeto de ojeriza de certa parcela de juristas, configura-se como assunto de profundo destaque na doutrina e jurisprudência. Trata-se de instituto que tem raízes no Direito Romano, tendo já sido celebrado em vários ordenamentos jurídicos alienígenas, traduzindo ditames maiores de Justiça aplicáveis à matéria. A dignidade da pessoa humana deve ser preservada das intempéries dos menos afetos aos sentimentos alheios e a fixação deste tipo de reparação cível se insere nesta realidade. Diga-se mais... Não fosse a execrável letargia do legislador pátrio, certamente este tipo de reparação também já estaria habilmente regulado em diploma normativo, haja vista a notória necessidade de que ditames legais mais específicos tracem os contornos do tema.



2- O noivado pode ser reputado como um pré-contrato, sendo inserido, portanto, na seara do Direito Obrigacional. Muito embora o noivado ateste um compromisso de casamento que pode ser rescindido, ou seja, os noivos não são deliberadamente obrigados a contraírem matrimônio, ainda assim os danos advindos de tal cisão não passam em branco, de forma que é plenamente possível falar em reparação pelo rompimento lesivo desta avença. Assim sendo, os estudos acerca de sua reparação também adentram nos campos da Responsabilidade Civil.



3- Tanto nos campos tradicionais da responsabilidade aquiliana (Novo Código Civil, art. 186), quanto na seara da responsabilidade meramente contratual, é possível justificar a plausibilidade da mentalidade no sentido de fixar indenização pelo rompimento de noivado. Afirme-se ainda que mesmo sob a influência das assertivas inerentes ao abuso de direito (Novo Código Civil, art. 187), é possível encontrar sustentáculos para o discurso favorável à indenização por danos próprios do rompimento de noivado.



4- A boa fé objetiva, simbolizada na necessidade de que pactos respeitam as expectativas jurídicas orçadas no instante de estipulação e no momento de cumprimento do contratualmente combinado, também caracteriza-se como razoável válvula de escape para o discurso favorável à indenização por rompimento de noivado.



5- A quantificação dos danos a serem indenizados varia conforme as circunstâncias do rompimento do noivado. Gastos com enxoval, com preparativos para o casamento, com aquisição de bens móveis e imóveis, a queda de rendimento de um dos noivos em razão de renúncia a emprego ou promoção só por causa do casamento, ou seja, toda a esfera de danos patrimoniais viabilizam a fixação de indenização por danos materiais. A queda na auto-estima do noivo abandonado, os acessos de melancolia e depressão, a reclusão do convívio social, os abalos à honra, à imagem, enfim, toda a série trágica de danos extrapatrimoniais suportada pelo noivo ofendido redunda em danos morais. No arbitramento destes danos, o juiz, sem dispor de muitos critérios adrede fixados na lei para tal tarefa, deve-se valer de bom senso, e fixar reparações que se, por um lado, punem exemplarmente o lesante, por outro lado não podem servir como forma de vindita ou enriquecimento desvairado do ofendido. O escopo da indenização não é arruinar o responsável pelo rompimento lesivo de noivado, mas apenas delimitar justa reparação para os males praticados.





Para mentes menos sensíveis, abordar o tema rompimento de noivado e seus consectários dentro da Responsabilidade Civil pode parecer tarefa sem grande relevância no mundo jurídico. Contudo, ainda que, de certa maneira com teor ácido, impõe-se, com o escopo de dar um desfecho ao tema e demonstrar o quão necessário se torna dar magnitude ao este assunto, mencionar o seguinte caso trágico: [26]

JOIVINLE- SC, 06 DE FEVEREIRO DE 1998



“Jovem atira em

ex-noiva e depois se mata



Joinville - Sem aceitar o recente rompimento do noivado, Júnior Lorenzão Ramos, de 21 anos, ao se encontrar ontem, com sua ex-noiva, Ariana Busanello, 16, tomou a decisão drástica de desferir dois tiros contra ela. Depois se matou. O homicídio seguido de suicídio aconteceu na rua onde Júnior morava, Shofia Gunther em frente ao número 176, no bairro Escolinha.



O pai de Júnior, Antônio Pereira Ramos, conta que tudo aconteceu por volta das 12h. ‘Sabemos que Ariana vinha passando em frente a nossa casa, quando Júnior foi atrás dela chamando-a para conversar. Eles tinham se separado antes de ontem e ele não aceitou’.



"Ninguém sabia que ele estava armado. Saiu ontem à noite e só voltou de manhã", diz a irmã de Júnior, Viviane dos Santos, a única que estava na rua na hora do crime. "Ela correu, ele atirou nas costas dela. Caída, ainda pediu que não atirasse de novo. Ele atirou na nuca dela, depois começou a chorar e se deu um tiro na cabeça", contou. "Não sei onde ele conseguiu a arma", completou Ramos.



O tio de Ariane, Célio Busanello, diz que o casal estava junto há seis meses. "Ela queria continuar os estudos. Não podíamos imaginar que uma coisa dessas acontecesse na nossa família", lamentou.”





* Advogado; professor de Teoria Geral do Processo, Processo Civil, Direito Civil e Prática Jurídica das Faculdades Doctum - Campus Leopoldina; Coordenador da Iniciação Científica das Faculdades Doctum- Campus Leopoldina; professor de Introdução ao Estudo do Direito e Processo Civil das Faculdades Doctum/Campus Juiz de Fora; Especialista em Direito Civil pela UNIPAC; Mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ; Pesquisador de grupo sobre Acesso à Justiça da PUC/RJ e Viva Rio.
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